As Aventuras de Nando & Pezão

"Rock na Veia"

Capítulo 4 – O Primo Jaime

Quando eu me preparava para abrir o portão e ir embora para casa, Pezão surgiu na janela do seu quarto e gritou:

— Já sei! Já sei!

Não entendi porra nenhuma. Larguei minha bicicleta sobre o gramado e gritei de volta:

— Já sabe o quê?

— Já sei qual será o nome da nossa banda!

Fodeu. Lá vem merda.

---------------------------------------------

— Caçadores de Pé-Vermeio! — gritou Pezão, todo animado.

Puta merda, pior que eu gostei do nome. Hehehe

— Porra, até que não é má idéia!

— Da hora, né? Não sei o que houve, foi como um estalo. De repente bateu este nome na minha cabeça.

— Espera, Pezão! Também senti um estalo!

— Assim não vale! Eu tive o estalo primeiro!

— Calma, eu acho que você vai gostar. Que tal Red-Foot Hunters ???

— Hã? Que porra é isso?

— Seria Caçadores de Pé-Vermeio em inglês!!! Ficou legal pra caralho!

Pezão começou a rir feito um doido.

— Até que ficou bacana. Gostei. 

— Então está decidido! O nome da nossa banda será Red-Foot Hunters! Animal!

Se você não manja de inglês pronuncia-se "Réd Fut Ranters" ... coisa chique.

Senti algo vibrar na minha calça. Na hora pensei que fosse meu bilau sentindo a presença da loira gostosa, mas era apenas o meu celular. O identificador de chamadas acusou o número da minha casa.

— Alô. Mãe?

— Sim, sou eu. Nando, você não se esqueceu de buscar seu primo lá na rodoviária, esqueceu?

— Primo, que primo?

— Seu primo Jaime! Nando, você se esqueceu?

Putz! Esqueci completamente.

— Não, mãe, estou brincando. Já estou aqui na rodoviária esperando ele.

Sou liso que nem um quiabo, né? Hehehe.... Ainda bem que...

— Não mente pra mim, Nando. Eu sei que você se esqueceu. Por quê acha que eu liguei?

— Fica fria, mãe. Eu vou lá buscar o Jaime.

— Anda logo! Está quase na hora do ônibus dele chegar.

— Mãe, só uma pergunta.

— Seja breve.

— O Jaime continua...

— Sim, Nando, continua. E o que você tem com isso? Deixa o rapaz. Cada um cuida da sua vida. Agora desliga isso e corre lá pra rodoviária, vai!

— Sim, mãe, pode deixar.

Assim que eu desliguei o celular Pezão gritou lá da janela:

— Quem era?

— Minha mãe. Esqueci de buscar meu primo na rodoviária.

— Primo, que primo? Ah, aquele que...

Pezão começou a rir.

— Sim, este mesmo. Puta que o pariu!!! Será que eu joguei pedra na cruz?

— Pedra eu não sei, mas você deve ter jogado muita merda de cachorro.

— Quebra o galho, Pezão, dá uma carona pra mim até a rodoviária. Quebra essa.

— Quem quebra galho é macaco. Vai lá você, vai ficar uma gracinha você carregando seu primo de bike. 

Mostrei aquele famoso dedo pra ele. Pezão filho da puta. Não custava nada. Deixa ele.

Subi na bicicleta e comecei a longa pedalada até a rodoviária. Isso me fez lembrar a época em que eu ia buscar a ... Ruthinha. Era tão gostoso. Ela chegava toda cheirosa e eu a abraçava com força, de tanta saudade que eu sentia. Bons tempos, bons tempos. Agora eu estou indo buscar o maldito Jaime. Acho que vocês devem estar curiosos pra saber quem é o meu primo Jaime. Jaime é o único homossexual da minha família, que eu saiba. Putz! Senti até um calafrio na espinha. Bom, vocês já sabem a minha opinião sobre gay, eu não tenho preconceito, cada um faz o que quer com a sua rosca, desde que não mexam na minha. Meu ânus só tem duas finalidades, peidar e cagar. Nada entra ali, comigo não tem este papo de fio-terra, odeio fio-terra, nunca experimentei e não tenho a menor vontade de experimentar. O máximo que já me aconteceu vocês já sabem, eu já contei. Lembrou, né? Isso mesmo, a linguada. Felizmente foi há muito tempo atrás e depois daquela vez nenhuma outra garota repetiu a dose. Bom pra mim e bom pra elas também. Não consigo imaginar como alguém pode ter o prazer em chupar o cu de alguém. Putz! Agora eu caí em contradição, visto que eu mesmo já estive perto de chupar o cu da americana, não é? Pois é, eu acho melhor eu mudar de assunto então... hehehe.

Onde eu estava mesmo? Ah, sim, meu primo Jaime. Jaime mora em Varginha, sul de Minas Gerais. Vocês já devem ter ouvido falar desta cidade. Sim, isso mesmo, o ET. O famoso ET de Varginha. Vocês vão achar que é gozação minha, mas o meu primo assumiu sua homossexualidade logo após a matéria sobre o ET ser exibida pelo Fantástico, da Globo. O motivo? Simples, meu primo Jaime pensou que o fim do mundo estava próximo, então ele decidiu "sair do armário" antes que fosse tarde demais. Putz! Não sei se dá vontade de rir ou de encher o meu primo de tapa. O mundo vai acabar e ele resolve que vai dar o cu? Ah, dá um tempo.

Bom, agora vocês já sabem que o Jaime é gay, mora em Varginha e assumiu seu lado bicha por pensar que o mundo iria acabar. Só faltou eu explicar uma coisa: por quê diabos ele está vindo pra minha casa? Não, ele não vem morar conosco, é apenas uma visita rápida. Jaime é jogador profissional. Sim, e mais, faz parte da delegação brasileira. O gay não é pouca bosta não. Vocês querem saber qual esporte, né? Se vocês pensaram em ginástica artística ... tomaram na cabeça, não é. Jaime é jogador profissional de Peteca. Sim, Jaime é campeão sul-americano de Peteca. Puta merda, dá pra acreditar que tem gente que se reúne pra fazer uma competição de Peteca? Não, pior do que isso, tem gente que sai de casa pra assistir. Jaime acabou de vencer o Campeonato Brasileiro de Peteca, em São Paulo, e aproveitou pra nos visitar. Que bosta, agora quem paga o mico na rodoviária sou eu. Na verdade eu nem sei se irei reconhecê-lo, pois já faz muito tempo que a gente não se vê. A última vez que nos encontramos foi no aniversário do meu avô, nós tínhamos uns 6 ou 7 anos, no máximo. Não vai ser assim tão fácil reconhecê-lo, a não ser que ele desça do busão vestido de rosinha, cantando "It's Raining Man". Acho meio improvável, não? Bom, felizmente a rodoviária é meio afastada e não corro o menor risco de alguém me ver com o Jai...

— Nando, você por aqui???? — alguém disse o meu nome! Santa Pixirica!!! Eu conheço esta voz? Claro que conheço, não me é estranha! Virei-me lentamente, com um nó na garganta e suando frio. Quem poderia ser? Jaime? Não, a voz está feminina demais, não pode ser ele. Minha mãe me disse que ele é gay, não travesti. Será que ele fez operação pra afinar a voz?

Puuuuuuuuuuuuuuuuuuuta que o pariu!!!!!!! Eu joguei merda na cruz.

— Oi, Joana, como vai?

Caralho, não é possível! O que esta filha da mãe está fazendo aqui? Vocês se lembram da Joana, não lembram? Sim, ela mesma, a maior fofoqueira da cidade, aquela que eu comi na noite do show do Rappa, aquela ... que pensa que eu sou gay. Agora é que fodeu de vez. Se ela me ver com o Jaime... sou um cara morto. Bom, morto é um pouco de exagero, o máximo que poderá acontecer é a cidade inteira pensar que eu sou gay e que namoro o Jaime. Putz!!! Eu prefiro a primeira opção, a morte.

Estou suando frio.

— O que houve? — perguntou Joana.

— Não houve nada, por quê pergunta?

— Parece que você viu um fantasma. Você está branco.

— Branco, eu? Não, eu sempre fui assim mesmo. Nunca gostei de sol.

— Pele sensível?

— Sensível? Não, não tenho nada sensível. Este negócio de sensível é...

— Meio gay? — ela disse com ironia, sorrindo.

— Porra, Joana, você precisa parar com isso. Eu não sou gay!

Ela teve um ataque de risos .... parecia uma hiena com soluço.

— Eu não acho você gay. — disse ela, ainda rindo.

— Não? E por quê está rindo?

— Estou rindo da sua preocupação. 

Acabei rindo também. Não sei se de forma natural ou por nervosismo. De repente uma voz esganiçada grita o meu nome:

— Nando, primo!!! 

A voz vinha lá de trás, mas já dava pra sacar quem era. Se eu falar que a voz é meio parecida com a da Vera Verão vocês vão pensar que eu estou forçando a barra, mas infelizmente é a verdade. Sim, caros amigos, eu definitivamente joguei merda na cruz, ou no ventilador, sei lá.

— Nossa, quem é a biba louca? — sussurrou Joana, olhando espantada por cima do meu ombro.

— Deve ser o meu primo. Ele é gay.

— Deu pra notar, — Joana voltou a rir. — pra falar a verdade daria pra notar a 20 quilômetros de distância.

— É tão ruim assim? — sussurrei de volta.

Ela respondeu mexendo a cabeça, e rindo muito.

— Puta merda! — esbravejei. — Minha mãe me paga!

Virei-me na direção de Jaime e lá estava ele, ou melhor, ela, ou melhor, ele ela. Ah, sei lá que porra era aquilo! Careca, usando um óculos vermelho muito cabuloso, camisa da campanha contra o câncer de mama, vestia uma calça branca bem justa, estava com uma mochila nas costas e carregava uma bolsa pequena com a mão direita. Joana tinha razão, dava pra notar sua viadagem a milhares de quilômetros.

— Oi, primo! — disse Jaime, chamando a atenção de toda a rodoviária.

Eu não sabia o que fazer. Eu estava paralisado de constrangimento. Eu só queria uma coisa, não estar ali.

— É seu primo mesmo ou é... ???

Puta merda! Só me faltava essa! Joana está pensando que....

— Não!!!!!!!!!!!!!!!! — gritei, desesperado. — Aquela coisa ali é meu primo! Primo! Primo! 

Joana ficou espantada.

— Nossa, está bem. — disse ela. — Eu só pensei que poderia ser...

— NÃO!!!!!!!!!! 

Jaime se aproximou. Eu queria tanto sumir dali!!!!!

— O que aconteceu? — perguntou Jaime. — Por quê está nervoso deste jeito?

— Nada não. — respondi olhando para o chão. Estou com tanta vergonha que eu acho que vou ter uma paralisia cerebral a qualquer momento. Eu não sei o que fazer.

— Bom, o meu ônibus já vai sair. — disse Joana, ainda com um sorriso maroto nos lábios. O que será que está se passando na cabeça desta filha da mãe?

— Vocês são namorados? — perguntou Jaime.

— Não. — respondeu Joana.

— Vocês formam um belo par, sabiam? — disse Jaime. Finalmente criei coragem para olhar nos seus olhos.

Joana olhou para mim, e disse:

— Algum dia, talvez.

Opa! Acho que aquele papo dela me achar gay já passou mesmo.

— Mas eu não quero me meter entre vocês dois. — disse Joana.

Como é que é????? Eu ouvi isso?

— Puta merda, Joana!!!! Eu não tenho nada com esta bicha! Ela é apenas meu .... primo.

Joana subiu no ônibus e me deixou falando sozinho. Jaime estava me encarando, puto da vida.

— Ninguém me chama de bicha, está me entendendo???

Fiquei sem graça. Metade da rodoviária olhava pra mim, a outra metade olhava para o meu primo. Eu nunca senti tanta vergonha em toda a minha vida, nem quando eu fiquei só de cueca no meio da estrada eu me senti assim, nem quando eu peidei alto na igreja e o Padre parou o sermão. Se eu pudesse escolher um momento pra morrer eu escolheria este.

— Estou brincando com você, primo! Dá um abraço aqui, vai!

Foda-se, dei um abraço de leve. O cara dá o cu, mas é meu primo.

Começamos a longa jornada até minha casa. Nem preciso dizer que vou procurar as ruas menos movimentadas, né?

— E aí, primo, conte-me as novidades! — disse Jaime, caminhando e rebolando ao mesmo tempo. 

— Novidades? Nenhuma não.

— Você está com vergonha de mim, não é?

— Vergonha, não. Estou com vergonha não.

Jaime parou, largando a bolsa no chão e me encarando com uma cara nada boa. Ficou em silêncio por algum tempo, até que soltou:

— Porra, então fala comigo, caralho!!!! — sua voz saiu grossa, imponente, parecia até que havia alguém lhe dublando. — Você me olha como se eu fosse um monstro, cacete!!!

Eu me senti constrangido. Jaime tinha razão, eu mal olhava para ele. O grande problema é que eu nunca tive amigo gay, eu não sei como lidar com a situação.

— Desculpa. — eu disse, olhando para ele.

Jaime pegou a bolsa do chão e voltou a caminhar. Agora rebolando menos.

— Vamos recomeçar. — disse ele. — Conte-me as novidades.

— Eu e um amigo vamos montar uma banda.

— Banda? Putz grila! Que irado!

— Pois é, vai ser legal pra caralho.

— Qual vai ser o nome?

— Red-Foot Hunters.

— Red-Foot Hunters? Espera aí, deixe-me ver, Caçadores de… pé vermelho? É isso?

— Quase isso, na verdade seria a tradução de Caçadores de Pé-Vermeio?

Jaime caiu na gargalhada. A bicha parecia uma hiena com dor de barriga.

— Ah, agora eu entendi! Pé-Vermeio!!! Hahaha..... Eu não sabia que esta expressão também era conhecida por aqui.

— Oh, se é. E aqui tem muitas, como tem.

— E vocês sempre na caça.

— Opa, com certeza. Pé-Vermeio nasceu pra isso, pra ser caçada e devorada viva.

— Coitadas.

— Elas gostam.

— Mas diz aí, você vai tocar o quê? Você tem cara de guitarrista.

— Eu, guitarrista? Não, errou. Serei o vocalista.

— Nooooooooooooooossa!!!! — Putz! Agora a bicha soltou a franga de uma vez. Ainda bem que não tinha ninguém na rua para presenciar isso. — E você canta bem?

— Só quando estou bêbado.

— Puta merda, eu preciso ouvir isso.

— É meio bizarro.

— Já imaginou se vocês fizerem sucesso??? Não vai se esquecer de mim, hein!

— Pode deixar.

— Porra, Nando, tive uma idéia, deixa eu entrar para a banda de vocês?

— E você sabe tocar algum instrumento?

— Sim, eu toco gaita.

Era só o que me faltava. To fodido, ou melhor, to cagaita.