As Aventuras de Nando & Pezão

“Me Perdoa, Margareth”

Capítulo 3 – Oh, Minas Gerais ...

Nem dobramos a primeira esquina e Bel nos ofereceu salgadinho.

Sua sacolinha estava cheia de petiscos e guloseimas:  três pacotes de salgadinho Elma Chips, um pacote de bolacha água e sal, um pacote de Trakinas, um saquinho de biscoito de polvilho, um saquinho de amendoim japonês e outro de balas de goma. Ufa! Caraca, ela acabou de bater dois pratos de pedreiro no almoço e já está com fome?  Essa garota tem lombriga.

— Tem coisa melhor que comer?  — disse ela, entre uma mastigada e outra.

— Tem sim — respondi, olhando para ela pelo espelho retrovisor.

— Sexo? Ah, sim, é legal também. Mas ...

— Espera aí, você trocaria uma trepada por um saco de Baconzitos?

— Depende. Qual o tamanho do pacote?

— Você é estranha, mina — disse Pezão. Depois ele olhou para mim por cima do ombro. — E você, não vai trabalhar hoje?

E não é que eu me esqueci completamente do trampo? Acho que ainda não me acostumei com isso …

— Puta merda, e agora?

— Não tem como você pedir para alguém fazer o seu horário?

— Verdade, eu vivo quebrando o galho de todo mundo por lá.

Sim, e nunca pedi nada em troca. Chegou a vez de retribuírem. O problema é que eu não tenho muita intimidade com os outros locutores. A grande maioria são mais velhos e nem falam comigo direito.

Mas ... sei de alguém que não vai me negar um favor: Marinalva Guedes.  Ela parece gostar de mim. E já fiz o horário dela algumas vezes, compartilhamos o mesmo gosto musical. Se ela não topar, meu passeio já era.

Tenho o WhatsApp dela. Mandei uma mensagem. Ela viu e já me respondeu. Iniciamos uma conversa:


Eu: Mari preciso te fazer um peido

Ela: Oi lindinho. Um peido? kkkkkkkk

Eu: Maldito corretor!!! Eu quis dizer um PEDIDO

Ela: kkkkkkk entendi. Pode peidar. Quero dizer pode pedir

Eu: hahahaha pode cobrir a minha escala hj?

Ela: hummm sério? :(

Eu: Sério. Por favor!!!!!

Ela: Hj é meu único dia de folga na semana

Eu: Quebrei seu galho nos últimos dois sábados à noite, lembra?

Sem resposta por uns 2 minutos, até que enfim:

Ela: Tudo bem

Eu: Uhuuuuuuuuuuu valeu!!! 19h30 até 0h30

Ela: PQP

Eu: hahahaha passa rapidinho

Ela: Só que não

Eu: Posso ficar tranquilo então, né?

Ela: Pode

Eu: Obrigado Mari. Vc é dez

Ela: Vc fica me devendo umazinha ta?

Eu: OK agora eu preciso ir. Fui!


— Armou! — gritei.

— Puta que pariu — disse Pezão, puto. — Quase me mata de susto, cacete!

— Achei alguém para ficar no meu lugar.

— Sério? Achou um trouxa?

— Tem uma locutora lá que vive me dando bola.

— Quem?

— A Marinalva Guedes.

Pezão arregalou os olhos para mim.

— Caralho, ela tem a voz mais sexy do mundo inteiro. Ela tá te dando bola? Já pegou?

Comecei a rir feito uma hiena no show do Iron Maiden no Rock in Rio.

— Aposto meus braços que ela é o cão chupando bala  — disse Bel, abrindo o pacote de Trakinas.

— Você a conhece? — perguntei.

— E preciso? Todo mundo que trabalha em rádio tem o rosto zoado.

Agora foi o Pezão que riu feito uma hiena curada de catapora.

— Você é locutor? — Bel me perguntou, franzindo testa. — Não é para ficar se achando, mas você é gatinho.  Tá na profissão errada.

Foi uma cantada?  Sei lá, mas eu gostei.

— Porra, então a Marinalva não é a gata que eu sempre imaginei? — disse Pezão.

— Feia pra cacete — respondi. — Ela me faz lembrar a Amy Winehouse.

— Mas a Amy era bonita!  — disse a Bel.

— Corrigindo: Amy Winehouse na fase das drogas e pingaiada. E o pior é que eu acho que ela me passou uma cantada pelo WhatsApp.

— Sério? — e meteu a mão por entre os bancos e puxou o celular da minha mão. — Posso ver? Sou ótima em achar mensagens nas entrelinhas.

— Fique à vontade  — falei. Já pegou o meu celular mesmo, né?

Ela leu toda a conversa e me devolveu o celular, com um sorriso meio sacana nos lábios.

— Ela quer uma noite de sexo selvagem com o lindinho.

— Hummm, garanhão! — zoou o Pezão. — Ela é gostosa, pelo menos?

— Magra feito o coisa-ruim.

— Você curte uma gordinha? — disse Bel, segurando a última bolacha do pacote.

— Uma gordinha eu até pego, mas muito magra me dá aflição. Quem gosta de osso é cachorro.

— E Paleontólogos — completou ela.

Nós dois rimos. Pezão ficou boiando, olhando para mim.

— Os caras do filme Jurassic Park — falei. — Aqueles com chapéu engraçado.

— Ah, tá.

— Ainda não entendeu, né, mané? — imitei o jeito da Bel falar mané. Ela diz pausadamente, o que provoca ainda a pessoa zoada.

Ele mostrou aquele dedo famoso para mim.


As próximas duas horas serviram para conhecermos a Mirabel um pouco mais a fundo.  Calma, ninguém transou nessa viagem. Ainda.

Ela tem 20 anos. Faltam apenas 2 dias para o seu 21º aniversário. Perdeu a mãe para o câncer 4 anos atrás. Dona Mirtes e Seu Nori são avós maternos (fiquei triste por eles). Cursa o segundo ano de Engenharia de Computação na faculdade. Está de férias. Odeia qualquer tipo de esporte, principalmente futebol. Sua banda favorita é The Vaccines — que ela conheceu quando um ex-namorado lhe disse que a garota da capa do CD “What Did You Expect from The Vaccines?” era muito parecida com ela. E a semelhança é incrível mesmo. Já toquei músicas desse CD no meu programa. Quando cantarolei um trecho da música “If You Wanna”, Bel arregalou os olhos para mim, encantada. Ganhei mais alguns pontos com ela. — Adora livros e filmes de suspense e ficção científica. Ama Star Wars e tem fantasias eróticas com Darth Vader. Seus pratos favoritos são todos, só não come pedra. Nunca namorou sério. Seus últimos três namoros começaram pela Internet, sempre com caras 10 anos mais velho do que ela.  Tem uma doença cujo nome é impronunciável. Ela tentou dizer o nome, mas aparentemente não conseguiu. Parecia estar falando em mandarim ou em russo ao contrário.

Esta última parte eu achei meio estranha: doença? Ela parece tão saudável! Será que tem algo a ver com a quantidade absurda de comida que ela consome? Sei lá, percebi que ela ficou bem sem graça ao tocar no assunto. Segue o jogo.

Depois foi a nossa vez.

Pezão contou como conheceu a Margareth e eu expliquei como virei locutor da noite para o dia.

Também contamos um pouco das nossas aventuras e desventuras, escondendo os lados mais obscuros, é claro. Bel acha que já esbarrou com o Pigmeu numa festa, e percebi seus olhos cheios d’água quando contamos a história de um amigo nosso que faleceu, o Mamute.  Ela escutou nossas histórias atentamente, sempre mordiscando alguma coisa.

Não contamos nada sobre Ubatuba. Se ela quiser saber, que compre o livro.


Estávamos passando pela cidade de Conceição dos Ouros, já em Minas Gerais, quando ela percebeu que sua sacolinha de petiscos estava vazia.  Meu, a garota quase surtou. Me fez lembrar do Pigmeu quando está sem os seus … bagulhos.

Pezão foi obrigado a fazer a primeira parada da tarde.

Eu até achei bom, pois já estava me dando vontade de ir ao banheiro. Número 2 me chamando.

Paramos numa padaria bem fuleira.

A fachada pintada a mão dizia em letras garrafais: Padoca do Careca. Do outro lado do balcão um gordo careca nos observava com um certo temor, como se fôssemos estuprá-lo ou algo assim.  Achei que ele poderia mudar o nome da padaria para Padoca do Gordo Careca Ressabiado.

— Tarrrrrrde — falei, quase me cagando. — Onde fica o banheiro?

O homem apontou para uma portinha atrás de um freezer da Coca-Cola. Andei o mais depressa que pude, trançando as pernas feito um competidor de Marcha Atlética.

Nunca vi um banheiro tão sujo em toda a minha vida, e olha que já vi muitos por aí.  Eu nem tinha me evacuado ainda e o cheiro já era insuportável, imaginem depois que eu deixar a minha humilde (mas poderosa) contribuição.  A parede estava toda rabiscada com desenhos eróticos (só que não) de mulheres peitudas. O engraçado era que os seios pareciam ovos fritos. Tentei desviar o olhar daquilo, estavam atrapalhando a minha concentração. Tenho este pequeno problema ao ir ao banheiro: se não estou totalmente focado no que vou fazer, não sai nem com macumba.  Já me cutucaram uma vez num mictório, pensaram que eu estava dormindo em pé.  Porra, eu só estava me isolando do resto do mundo para poder mijar em paz. Ninguém tem paciência comigo.

Se entrei em ritmo de Marcha Atlética, saí com a rapidez de um velocista de 100 metros rasos. Pelo amor dos meus filhinhos, se eu ficasse naquele banheiro mais 1 segundo eu teria desmaiado, é sério.

Quando saí dei de cara com a Bel comendo uma senhora de uma coxinha. A coxinha era tão grande que caberia um frango vivo dentro dela. E dessa vez não estou exagerando.

— Fazendo uma boquinha?  — falei, após uma piscadela.

Ela fez apenas um joinha para mim, estava com a boca cheia.

— Já é a segunda — disse Pezão, meio impaciente. — Como consegue comer tanto e ser tão … — ele a mediu dos cabelos aos pés. — gostosa?

Bel quase engasgou com a coxinha ao ouvir isso. Começou a rir que não parava mais.

— Obrigada pelo “tão gostosa”. Ganhei o dia.

Porra, se eu soubesse teria dito antes.

Ficamos ali esperando ela devorar a coxinha-monstro. Ela comia com tanto gosto que até fiquei com vontade de experimentar, mas eu não conseguiria comer uma inteira sozinho.

— Quer dividir uma comigo? — perguntei para o Pezão.

Ele topou. Ergui o braço para fazer o pedido. Ao mesmo tempo a neta favorita da Dona Mirtes apontou para o expositor de salgados e gritou para o gordo careca:

— Aquela torta de frango com catupiry é de hoje, Ademir?

O homem arregalou os olhos, indignado, e disse:

— Faz quantos dias que você não come, menina?

— Não vou comer agora, meu anjo. Tem como embrulhar para eu levar?

— Claro, é pra já!

Enfim pedi a coxinha e a dividimos no meio. Meu, é muito grande!

Enquanto nos esforçávamos para comê-la, Bel abastecia sua sacolinha. Ela pegou de tudo um pouco. Mais salgadinhos, bolachas, pãezinhos, chocolates e, é claro, o pedaço de torta de frango com catupiry, embrulhado num papel gorduroso e nojento. Perdi até a fome. Pezão também. Não conseguimos terminar nossas metades da coxinha.

Como ela conseguiu comer duas inteiras?

Na hora de pagar, Bel apontou para o Pezão. Ele ficou puto.

— Eu só comi a porra da metade de uma coxinha! E você comprou a padaria toda.

— Nossa, amigo, quebra o galho aí. Depois você desconta do valor da aposta — ela olhou para o gordo careca, que a esta altura era só sorrisos. O cara vendeu mais em meia hora do que em todo o mês. — O senhor me vê uma notinha de tudo?

— Não. Mas posso anotar com caneta se você precisar.

Que legal. Foram mais 15 minutos desperdiçados.

Pezão foi ao banheiro antes de voltarmos para o carro. Saiu de lá verde e sem ar, quase vomitando.

— Caralho, Nando, deu PT no banheiro, porra!  Se eu não estivesse tão apertado vinha aqui mijar na tua cabeça.

Nem demos muita bola para ele. Estávamos rindo do recibo improvisado que o Ademir fez para a Bel. Havia pérolas como “bescoitu”, “bulaxa” e outros assassinatos a sangue frio do nosso querido português.


Pegamos a estrada novamente.

O carro é tão silencioso que o único som que conseguíamos ouvir era o crec-crec da Bel mastigando os biscoitos de polvilho, sem parar.

O barulhinho começava a me dar nos nervos. Resolvi puxar assunto para ver se ela para de comer um pouco.

— Posso te fazer uma pergunta, Bel?

— Claro … "lindinho". A moça lá da rádio te chama assim pessoalmente também?

— Pior que sim. É bem constrangedor.

— Que meigo. Bom, mas o que você ia me perguntar?

— Sobre o cachorro do seu avô, o Ronnie Von. Você e a sua avó não gostavam dele, né?

— Não mesmo. Para falar a verdade eu odiava aquele cachorro.

— Por quê? — intrometeu-se Pezão.

— Aquele cão velho era um tarado pervertido!

Dúvida: existem tarados que não sejam pervertidos?

— Como assim, o que ele fazia? — perguntei, rindo antes mesmo da resposta.

— Sempre que eu saía do banheiro enrolada na toalha ele ficava me rodeando, como se fizesse de tudo para eu derrubar a toalha.

— Bobinho ele, né? — disse o Pezão, piscando para mim.

— Cão velho safado! — disse ela, irritada. — Ontem eu estava me trocando e não percebi que ele estava debaixo da minha cama. Quando eu me abaixei para vestir a calcinha ele soltou um uivo tão alto que eu quase morri de susto. Parecia que tinha um lobisomem dentro do meu quarto. Cruz credo! Mas eu me vinguei, joguei a cadeira da penteadeira em cima dele.

Pezão e eu ficamos rindo feito duas hienas em cima de um palco cantando clássicos da música sertaneja.

Bel continuou:

— Ele também rasgou várias calcinhas da minha avó.

— Eca!!! — dissemos os dois juntos.

Agora foi a Bel que soltou uma gargalhada.

— Aquele cachorro era um tarado.

— Há quanto tempo seu avô tinha ele? — perguntei.

— Acho que fazia pouco mais de 1 mês.

Pezão arregalou os olhos para o espelho retrovisor e encarou a Bel, dizendo:

— Como assim 1 mês? Só 1 mês?

— Sim, ele apareceu lá na casa do meu avô, do nada.

— Então aquela história de melhor amigo e o caralho era mentira? Que palhaçada é essa?

— Tudo papo furado — disse ela. Bel não conseguia parar de rir.

— Aquele velho maldito!

— Oh, não fala assim do meu avô!  Ele deve ter reparado que o seu carro era novo, então aproveitou a oportunidade. Você não teria feito o mesmo?

As veias na testa do Pezão pulsavam de raiva.

— Nem de raça ele era então — falei, colocando mais lenha na fogueira.

— Nem — ela disse, quase mijando na calcinha de tanto rir. — Um baita de um vira-latas pulguento, tarado, pervertido e comedor de calcinhas cheirando naftalina.

— VÉIO FILHO DA PUTA!!!

— Se você repetir isso mais uma vez eu vomito no seu banco novinho.


Depois disso ficamos num silêncio constrangedor por quase meia hora.

Dessa vez silêncio de verdade. Bel parou de comer. Dessa vez mexia na sua bolsa. Parecia estar procurando alguma coisa, e pelo jeito não estava encontrando. Estava com uma cara de poucos amigos.

— Tudo bem aí atrás? — falei, enfiando a cara entre os bancos.

— Quer a real? — disse ela, nervosa. — Não está nada bem. Nada bem mesmo!

— Já sei — disse Pezão. — , acabaram seus biscoitos.

— Nada disso, seu imbecil!

Pezão a procurou pelo espelho retrovisor, olhando feio.

— Calma, foi só uma brincadeirinha.

— Desculpa. Estou nervosa. Minha irmã aprontou uma comigo. Outra vez.

— Como assim? — falei. — O que ela fez?

— Aquela fedelha sabotou o meu remédio — ela segurava um pequeno potinho branco com tampa verde. — São meus … calmantes. Minha querida irmã substituiu os comprimidos por M&M’s. Dá pra acreditar nisso? Eu mato aquela vadiazinha!

— Calma — falei. — , paramos na próxima cidade e compramos outro potinho desse.

Ela balançou a cabeça negativamente. E disse:

— Só que não. São feitos numa farmácia de manipulação, especificamente para mim.

— Puta merda.

Pezão fez uma pergunta que estava na ponta da minha língua:

— O que acontece se você ficar sem esse remédio? Você morre?

Ela inspirou, expirou, depois respondeu:

— Morrer eu não morro, mas fico muito irritada e agressiva. Começo a xingar demais. Tudo me estressa. Tudo mesmo! Vocês não tem noção! Fico outra pessoa.

— Tipo uma TPM? — perguntei.

— Exatamente! Só que numa escala maior.

Putz!

— A Margareth fica um pé no saco quando tá assim — disse o Pezão.

— Toda mulher fica — afirmei. — Bel, não precisa se preocupar, a gente aguenta.

— Vocês não estão entendendo. Eu me transformo numa megera. Fico insuportável. Vocês vão querer me jogar para fora do carro.

— Lógico que não! Fica sussa.

— Esperem! — Bel disse de repente. Os olhos dela se arregalaram. — Acho que encontrei um último comprimido  — ela segurava o remédio entre os dedos. — Mas não sei se tomo agora ou guardo para uma situação de emergência.

— Você me parece bem calminha agora.

Ela me ofereceu o pequeno comprimido, dizendo:

— Guarde-o para mim. Quando estou irritada tendo a não querer tomá-lo.

— Então teremos que forçá-la a tomar?

Ela assentiu com a cabeça, parecia muito envergonhada.

— Desculpa, meninos, eu não queria que isso acontecesse. Não mesmo.

— Está tudo bem — falei. — Somos dois e você não pratica MMA.

Peguei o remédio da mão dela e guardei no bolso da minha calça.

— Sua irmã me fez lembrar do meu — disse Pezão.

— Fariam um belo par — falei, rindo. — Saudade do pirralho.

— Sabia que ele entrou numa escola só para crânios?

— Sério? Que dahora! Ele tem Facebook?

— Tem sim, é só procurar por Garoto “Podrígio”.

— Adorei! — disse Bel.

Rimos feito hienas viajando por Minas Gerais.