As Aventuras de Nando & Pezão

“O Pai da Magareth”

Último Capítulo – A História da Variant

— O meu namorado está perto? — perguntou Margareth. Ótima pergunta!

— Sim.

Ela abriu um sorriso de alívio. De repente fechou a cara e fez outra pergunta:

— O meu namorado está com outra mulher?

Os dois garotinhos falaram juntos. Mas um disse sim e o outro disse não.

— O quê? — Margareth ficou puta da vida. — Respondam! Sim ou não?

Eles repetiram as respostas, perfeitamente sincronizados.

— Já entendi — disse o gordo, rindo feito uma hiena rechonchuda rolando morro abaixo. — O seu namorado está com um traveco! 

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Pela primeira vez vi as veias da Margareth pulsarem freneticamente. Por um momento pensei que veria fumaça sair de suas orelhas, como nos desenhos animados.

— Aquele filho da puta! — gritou ela.

— Não diga palavrão perto dos meninos — disse o gordo, irônico.

— Eu quero que estes gêmeos se fodam!

E Margareth saiu batendo os pés pelo enorme corredor. Depois desceu a escada.

— Oh, aonde você pensa que vai? — gritei.

Ela nem me deu pelota.

— Caramba, a Ma ficou puta da vida — disse o gordo.

— Nããããão! Você acha mesmo?

Os gêmeos ficaram olhando para nós sem expressão alguma. Pareciam dois bonecos de cera. Se um diretor de Hollywood encontrasse estes meninos faria um filme.

— Só mais uma pergunta — falei para os dois: — O gordo ainda é virgem?

O garotinho do Sim logo se manifestou, falando bem alto. Olhei para o gordo e desembestei a rir feito uma hiena andando de cueca no meio de uma rodovia.

— Porra, sacanagem! — disse o pequenino Faustão, mostrando aquele famoso dedo para mim, e depois para o Sim Boy.

Quando eu me preparava para voltar para o quarto o gordinho soltou esta pergunta para os gêmeos:

— O Nando já deu o cu?

Prontamente o garotinho do Não se manifestou.

Apenas sorri e fiz aquele sinal de "se fodeu" com as duas mãos para o gordo.

— Eu me garanto — falei. — Posso perguntar se você já deu o seu?

Eu ia perguntar, mas vi a esposa gostosíssima do velho surgir atrás do gordo. Fiquei calado, é claro. Mas o filhote de baleia com mamute não percebeu a presença dela e soltou esta:

— O Nando já teve fantasias eróticas chupando uma rola bem grossa?

Meu, vocês precisavam ver a cara da gostosa atrás do gordo. Ela ficou tão vermelha de vergonha que mais parecia o Hellboy. Só faltou o charuto.

— Lave esta boca, menino! — disse ela, horrorizada.

Puta que pariu!!! Se a cara da gostosa já tinha sido engraçada, a do gordo então foi ainda melhor! Juro, se houvesse um jeito de esconder a própria cara no cu ... ele esconderia.

E o garotinho do Não se manifestou. Atrasado, mas se manifestou. Ainda bem, né? Porra, ficou na dúvida, caralho? Sai fora!

— Por um acaso vocês disseram alguma coisa para a garota? — perguntou a gostosa, ainda olhando torto para o gordo.

— Eu não!!! — respondeu o peçonhento, rápido no gatilho.

E a boazuda olhou para mim, dizendo:

— Ela pegou as chaves da Variant e saiu queimando os pneus. Nem sei como ela conseguiu fazer isso, pois aquilo quase não anda.

— Como é que é? — perguntei, pensando ter ouvido errado.

— Estava completamente fora de si; transtornada. Pensei que vocês tivessem discutido ou algo assim.

— Os gêmeos disseram que o namorado dela está com outra. — disse o gordo. Depois completou: — Ou outro, sei lá.

— Vocês fizeram isso, meus anjos?

O Sim Boy logo se manifestou.

— Vocês são muito malvados! Já de castigo! — e a gostosa apontou seu lindo dedo para um dos quartos. Os gêmeos nem esboçaram reclamação; fizeram imediatamente o que ela pediu.

Credo em cruz, serão crianças de verdade? Parecem robôs, porra!

— Acho melhor você ir atrás dela, hein! — disse a gostosa, olhando para mim.

— Seu marido tem outro carro para nos emprestar? — perguntei.

— Sim, ele já está lá embaixo esperando por vocês.

Descemos o mais rápido possível.

Do lado de fora da mansão, o Sr. Porrah nos aguardava, sentado ao volante de um maravilhoso Ford Galaxie azul.

— Uau! — falei, arregalando os olhos para o carro.

— Entrem! — disse o Sr. Porrah, visivelmente preocupado.

O Galaxie do velho tem 4 portas. Sentei-me no banco da frente e o gordinho foi lá para trás. O carro cheirava a eucalipto, bem diferente daquela outra porcaria velha que o Sr. Porrah usou para nos trazer até aqui.

Assim que o gordo fechou a porta o velho deu a partida e saiu fincando, levantando poeira atrás de nós.

— Não vou me perdoar se acontecer alguma coisa com aquela menina.

— Fique calmo, ela não vai muito longe — tentei acalmar o velho.

— Aconteceu alguma coisa? Ela estava enlouquecida. Passou a mão no molho de chaves e simplesmente voou até o carro. Nunca vi ninguém agir tão rápido em toda a minha vida. Não tive tempo de impedi-la.

— O namorado dela está com outra — disse o gordo. — Ou outro, sei lá.

— Ah, então é isso? O amor faz isso com as pessoas; enlouquece.

— Bom, se ela ama um babaca como aquele ... só pode estar louca mesmo.

— Perdão por mudar de assunto, — disse eu. — mas ... de que ano é este carro?

— É de 1978. Lindo, não?

— Puta que pariu, está conservado demais!

— As coisas boas da vida a gente precisa cuidar com muito carinho, filho.

— Com certeza.

— Mas a Variant laranja o senhor não trata com tanto carinho, né? — disse o gordo.

Notei que o velho fechou a cara. Maldito gordo peçonhento, ele tem as manhas de irritar as pessoas. Já perceberam?

— Aquele carro tem uma história.

Silêncio. Até que o velho desembuchou:

— Aquele carro matou uma das minhas filhas.

— Acachapante — disse o gordo, mas dessa vez num tom triste. — A Variant era dela?

— Não. Um bêbado sem vergonha dirigia por esta mesma estrada onde estamos e a atropelou.

— Sacanagem — disse eu.

— Pois é, muita sacanagem — acho que o velho vai chorar. — Ela era linda.

E o velho desabou. Creio que suas pernas amoleceram, pois ele parou de acelerar o carro.

— O senhor está bem? — perguntei, assustado. Olhando para ele e para a estrada. Para a nossa sorte a estrada era bizarramente deserta.

— Perdão — respondeu ele, chorando feito uma criança. — Não tenho condições de dirigir. Troque de lugar comigo.

Opa!!! Vou dirigir o Galaxie!!! O velho parou o carro no acostamento e trocamos de lugar. No começo eu estranhei bastante os pedais e o câmbio, mas aos poucos fui pegando o jeito. Incrível, eu ainda nem era um projeto de gente quando este carro saiu da fábrica. Acachapante! Porra, este negócio pega!

Pra onde estamos indo mesmo? Ah, lembrei, atrás da Margareth.

— Posso acelerar? Alguma coisa me diz que a Margareth precisa de nós.

— Fique à vontade, filho.

Uhuuuuuuuuuuuuuu!!! Era tudo o que eu precisava ouvir. Pisei fundo! O gordinho peçonhento quase voou pela janela.

A estrada estava deserta como das outras vezes. Que raio de lugar é este onde não passam carros?

Quando o velho finalmente parou de chorar, o gordo me solta esta:

— O senhor comprou a Variant do bêbado que atropelou a sua filha?

— Não exatamente. No dia seguinte ao acidente ele ficou tão arrependido que queria me recompensar de qualquer jeito. Como a única coisa que o sujeito tinha era o carro ...

— Ah, entendi.

— Mas no começo eu não queria de jeito nenhum. Eu fiquei com a sensação de que estava sendo comprado, sabe? E carro nenhum no mundo pagaria pela perda da minha filha. Nem uma frota de Ferraris. Nada!

— E por que o senhor mudou de ideia e aceitou o carro?

— Gordo, não acha melhor mudarmos de assunto? — disse eu, olhando feio para ele pelo espelho retrovisor.

— Está tudo bem — disse o velho. — Ele é um garotinho curioso, como todo garotinho deve ser. Eu vou lhe contar o motivo de ter mudado de ideia.

O velho nem percebeu que eu estava voando baixo com o seu Ford Galaxie azul. Em breve alcançaremos a Margareth, com certeza. Duvido que ela esteja indo tão rápido quanto nós.

— Tudo aconteceu numa sexta-feira à noite — prosseguiu o velho. — Eu estava saindo da delegacia e vi a Variant parada no pátio. A frente estava toda amassada e ainda dava para ver algumas manchas de sangue — ele engoliu seco. — Não sei explicar, mas alguma coisa me atraiu até o carro, como um ímã. Enquanto eu caminhava até a Variant eu comecei a me sentir cada vez mais leve, como se eu estivesse pisando nas nuvens. Eu nunca havia experimentado uma sensação de paz tão grande como aquela. E quando eu cheguei bem pertinho do carro tive a visão mais incrível da minha vida.

Silêncio. Olhei para o lado e vi que os olhos do velho brilhavam. Seu rosto até pareceu mais jovem. Acreditem se quiser.

— O que foi que o senhor viu? — gritou o gordo, desesperado.

— Ah, deixa pra lá, vocês vão pensar que sou um velho louco.

— Lógico que não, conta!

— Na época ninguém acreditou em mim. Nem a minha falecida esposa.

— Falecida? — disse eu. — E a Ajandra?

— Já tive 6 esposas antes dela, filho. Ajandra ainda era uma criança naquela época.

— O que tinha na Variant? — insistiu o gordo.

— A minha filha — sussurrou o velho. — Ela estava sentada no capô amassado da Variant, tão linda quanto no dia em que fora atropelada por aquele maldito bêbado. Sorria para mim. Tentei abraçá-la, mas quando eu me aproximei ela evaporou como fumaça.

— Acachapante!

O velho riu.

— Nem sei o que significa esta gíria, mas se você diz que é ... eu acredito.

— E o fantasma da sua filha aparece sempre? — continuou o gordo com o seu irritante interrogatória.

— Algumas vezes. Sempre no mesmo local.

— Já sei — disse eu. — No local do acidente.

— Exatamente. Acabamos de passar por ele, alguns minutos atrás.

— Sério? — disse o gordo. — E ela estava lá?

— Não.

— Ah, que droga!

— Que papo é este, gordo? — falei. — Você tem vontade de ver fantasmas?

— Claro! Deve ser ...

— Acachapante? — completou o velho.

— Ahã!

E finalmente avistamos a tão famosa Variant laranja. O ferro velho estava parado no acostamento, soltando mais fumaça que as brasas do inferno. Margareth estava sentada na estrada, chorando. Seu rosto era frustração pura.

Encostei o Galaxie logo atrás. Quando ela percebeu que éramos nós, abriu um sorriso amarelo.

— Você está bem, minha filha? — disse o velho, carinhosamente. Alguma coisa me diz que a Margareth lembra muito a sua filha falecida.

— Não, não estou — disse ela, de cabeça baixa.

— Está ferida? — o velho correu em sua direção.

— Não, não é isso. Estou morrendo de vergonha. O que fiz foi errado. Eu praticamente roubei o seu carro, né?

— Ah, não diga isso. Não roubou nada. Olha a minha velha Variant aqui!

— Fundiu o motor.

— Não foi a primeira nem será a última. Agora levante-se, por favor.

— O senhor não está bravo comigo?

— Lógico que não. Você agiu com o coração, só isso. Não fez por mal.

Margareth fez uma careta. E ficou de pé.

— Ah, então o senhor já sabe da história — disse ela.

— Sim, mas fique tranquila. Aposto que tudo não passa de um engano.

— Prima, você não viu uma moça na estrada? — perguntou o gordo.

— Moça, que moça? Esta estrada é mais deserta que o Saara. Não passa uma alma viva neste lugar!

— Viva eu sei que não. Mas a moça que eu falei já morreu.

Cutuquei o gordo. Porra, o pequeno Faustão não tem semancol, né?

— Seu primo cheirou cocaína e fumou maconha ... ao mesmo tempo — falei. — Não liga para o que ele está dizendo.

O gordo andou ao redor da Variant, olhando assustado para ela. Eu não sabia se ria ou se dava um safanão no moleque.

— O que deu nele? — perguntou Margareth.

— Sinto lhe informar, mas seu primo é tão louco quanto gordo.

Margareth enfim sorriu.

— Tadinho, não fala assim dele.

De repente ouvimos o ronco de um motor. Era a Variant. Nem preciso dizer que o gordo deu um pulo de 2 metros, né? Bom, deve ter emagrecido uns 2 quilos.

— Buuuuuuuuuu!!! — gritei na direção do gordo, rindo feito uma hiena navegando pelo site do Julio Fantasma.

Ele mostrou aquele famoso dedo para mim.

— Não estou entendendo vocês — disse Margareth, me encarando com olhos curiosos.

— Nem queira entender.

— Como foi que o senhor conseguiu? — perguntou Margareth para o velho. — Eu tentei de tudo e o motor nem dava a partida.

— Parece que só eu entendo este carro — respondeu ele, sorrindo. — Podemos voltar pra casa agora?

— E o Maurício? — sussurrou Margareth para mim. — Eu sinto que ele está em perigo.

— Sério?

— Ahã — E Margareth olhou para o velho. — Será que eu posso abusar mais um pouquinho da sua bondade?

— Sim, querida, claro que pode.

— O senhor nos empresta o carro para procurarmos o meu namorado?

— Lógico que sim! Fiquem com o Galaxie.

— Quem?

— O Ford Galaxie é o carro azul — sussurrei no ouvido dela, apontando para ele.

— Ah, entendi. — Margareth correu até o velho e beijou-lhe o rosto. Ele ficou todo sorridente. — Muito, muito, muito, muito obrigada!!!

Não resta a menor dúvida: ele vê a filha na Margareth. Alguém aí duvida? Bom, ou é isso ou o velho está apaixonado por ela. Mas eu ainda fico com a primeira opção.

O velho deu meia-volta com a Variant e parou do nosso lado. Ele olhou diretamente nos meus olhos e disse:

— Mas cuide dele como se fosse o amor da sua vida, OK? 

— Pode deixar — respondi.

— Ficaremos esperando vocês. Precisam experimentar os bolinhos da Ajandra!

— Ah, sim, os melhores bolinhos do universo! — completou Margareth.

O velho deu uma piscadela, duas buzinadas, e pegou a estrada.

— Fala sério, você já viu alguém mais bacana do que ele?

— Não — respondi. — É tão legal que dá até medo.

— Medo? Medo do quê, bobo?

— Sei lá. Vamos?

Entramos no Galaxie e ao tocar o câmbio a voz do velho veio na minha mente: "cuide dele como se fosse o amor da sua vida". Bom, vou tentar. O último amor que eu tive morreu a vassouradas, né?

Não pisei fundo como da outra vez. As palavras do velho mexeram comigo. Não seria justo eu detonar uma obra de arte como esta. Este carro não é apenas um carro, é uma relíquia. E eu não sou o queridinho do velho, como é a Margareth. Se acontecer alguma coisa com o Galaxie o Sr. Porrah não será tão compreensivo.

— Desde quando você é sensitiva? — perguntei para a Margareth.

— Sei lá. Enquanto dirigia por esta estrada deserta eu tive uma sensação tão ruim.

— É? — disse o gordo, arregalando os olhos.

— Fica quieto aí, Maquete de Orca.

— Maquete de Orca é o seu rabo!

— Parem vocês dois! Que saco! Parecem crianças!

— Desculpa — falei. — Prossiga. Você dirigia e teve uma sensação ruim.

— Sim, um pouco antes daquele monte de ferro velho me deixar na mão.

— Percebeu? — disse o gordo. — Ela teve a sensação ruim exatamente ao passar pelo local do acidente.

Margareth olhou imediatamente para o banco de trás, onde estava o gordo.

— Que acidente?

— O acidente com a filha do velho! Ele nos contou a história.

— Não estou entendendo nada.

— Deixa pra lá, Margareth — falei. — O velho inventou uma historinha para passar o tempo e o seu primo caiu direitinho.

— Sério? Agora eu fiquei curiosa. Também quero saber!

E Margareth não sossegou o rabo enquanto não lhe contamos toda a história. E para minha surpresa, ela ficou tão impressionada quanto o gordo peçonhento. Talvez um pouco mais.

— Cruzes — disse ela. — Então aquela porcaria, além de velha, é mal assombrada?

— Acachapante, né?

— Acachapante porcaria nenhuma! Horripilante, isso sim! Olha, estou toda arrepiada!

— Vocês são dois idiotas — falei. — Tudo isso não passa de uma história que o velho contou para fazer o gordo calar a boca.

— Se é apenas uma história, como é que você explica o fato da Ma ter se sentido mal bem no local do acidente, hein? E ela não sabia de nada.

— C o i n c i d ê n c i a. Apenas uma coincidência, só isso.

— Será, Nando? Foi uma sensação tão ruim. Tive pensamentos horrorosos!

— Enquanto estamos aqui, aposto que o Pezão está em algum boteco tomando uma.

— Quando saí daquela mansão eu imaginei isso também. Não exatamente um boteco, sabe? Imaginei o safado com outra rapariga. Mas conforme os minutos foram se passando meus pensamentos foram tomando outros rumos. Da raiva que eu estava sentindo eu passei a sentir medo. Medo de perdê-lo.

— Bobagem. Vaso ruim não quebra.

Margareth olhou séria para mim. Seus olhos cheios de lágrimas.

— Desejo do fundo do coração que você esteja certo — disse ela.

— Eu ainda acho que ele está com um traveco — disse o gordo.

E caímos na gargalhada. Acho que dessa vez o gordo peçonhento mandou bem. Aliviou o clima tenso.

Percorremos mais uma meia hora de estrada deserta. Juro, nunca vi um lugar tão parado. Parece que nem o vento sopra por estas bandas. Eu, hein!

E finalmente avistamos uma placa. Será que estamos perto de Pouso Alegre? Não. Na placa lia-se outra coisa: ORUOGA 1KM. Ela apontava para uma outra estradinha à direita.

— Oruoga? Que raio de nome é este?

— Parece japonês — disse o gordo.

Pior que parece mesmo.

— Porra, será que andamos tanto assim?

— Ah, tá! — zombou Margareth.

— E aí, o que eu faço agora?

Ninguém disse nada. Então resolvi ignorar a placa e seguir em frente. De repente Margareth soltou um grito:

— Pega a direita, Nando, por favor!

— Porra, quer me matar de susto? Por que não disse antes?

— Desculpa! Mas alguma coisa me diz que o Maurício está por perto e precisa da nossa ajuda.

Dei a ré e virei à direita, rumo a Oruoga. Vamos ver no que dá. Pior não pode ficar.

Esta porra de cidade deve ser fantasma, pois até agora não vi ninguém entrar ou sair dela. Deve ser um fim de mundo dos infernos. Se bobear, nem televisão tem.

Quando eu já estava pensando em dar meia-volta, vimos algo que me fez mudar de ideia imediatamente: o carro do Pezão. Estava estacionado em frente a um terreno baldio.

— Eu não disse? — gritou Margareth, quase saltando para fora do Galaxie em movimento. — Pare, eu preciso descer!

Fui obrigado a parar o carro, ou ela realmente saltaria pela janela, tamanho era o desespero da guria.

Assim que ela desceu correu feito uma doida para o terreno abandonado. Havia um matagal mais alto que ela, mas Margareth não deu a mínima.

— Espere por nós! — gritei. Mas ela não olhou para trás. — Pode ser perigoso!

O gordo e eu descemos do carro e corremos atrás dela.

— Espera, Ma! — gritou o gordo, ofegante. Suas banhas saltavam no ar feito geleia de mocotó.

E Margareth desapareceu no meio do matagal.

— Puta que pariu, sua prima é foda! — resmunguei.

Um minuto depois o gordo me alcançou.

— Eu não imaginava que ela gostasse tanto assim daquele idiota.

— Ele tem sorte.

— Se ainda estiver vivo, tem.

Ao ouvir isso eu me dei conta da gravidade da situação: o carro do Pezão estava largado em frente a um terreno baldio! Será que ele foi sequestrado? Será que foi assaltado e vieram desovar o corpo no matagal? Só consegui pensar em coisas desse naipe.

— Ma, onde você está? — gritou o gordo, ameaçando entrar no matagal.

Nenhuma resposta.

— Fique aqui — falei para o gordo. — Vou procurar a sua prima. Se o pior acontecer eu vou gritar e você sai correndo o mais rápido que puder. Entendeu?

Ele arregalou os olhos para mim e balançou a cabeça afirmativamente. O coitado estava muito assustado. Provavelmente todo cagado também. E não vou mentir, também estou quase chegando lá. Ainda bem que vou entrar num matagal, né? Lugar mais propício não existe.

— Bom, aqui vou eu.

O mato tem mais de 2 metros de altura. Há muito tempo que este lugar não recebe uma limpeza.

— Margareth, cadê você? — gritei.

Nada. Silêncio. Um silêncio como eu nunca presenciei em toda a minha vida. Senti como se eu estivesse completamente só neste mundo.

Procurei um tempão por ela. Mas só vi mato, nada além disso. O lugar parecia um enorme labirinto. Depois de um tempo senti que estava andando em círculos, pois todos os lugares pareciam iguais.

Minhas esperanças estavam praticamente indo embora quando ouvi uma voz gritar:

— Nando, onde está você?

Eu estava tão tenso que não consegui sorrir ou sequer esboçar uma reação alegre. Só consegui gritar de volta:

— Você está bem?

— Sim, estou! Ele está vivo, Nando! O Maurício está vivo!

— Acachapante!

Porra, isso pega mesmo!

— Preciso da sua ajuda para tirá-lo daqui! Ele está meio grogue!

— Continue falando comigo, vou tentar localizá-la.

E ficamos gritando um com o outro por uns 10 minutos, até que eu os encontrei. Margareth estava sentada no chão e Pezão deitado com a cabeça apoiada nas coxas dela. Ele parecia bem, mas um pouco perdido.

— Como você veio parar aqui? — perguntei.

— Eu dei carona para um casal — Sua voz saiu estranha. Ele parecia anestesiado.

— Casal, que casal? 

— Sei lá, está tudo diferente de quando chegamos aqui.

— Outra hora conversamos sobre isso — disse Margareth, solicitando com as mãos a minha ajuda para levantá-lo.

Levamos mais uns 20 minutos para sair daquele maldito matagal.

Sentamos o Pezão no banco do carona do seu carro e Margareth assumiu o volante. O gordo e eu voltamos para o Galaxie. E fomos para a mansão do Sr. Porrah, afinal de contas não poderíamos partir sem experimentar os melhores bolinhos do universo.

Ao chegarmos na mansão fomos recepcionados com tanta festa e carinho que ficamos até emocionados. Margareth tem razão: o velho é realmente um cara muito bacana. E sortudo, né? Afinal de contas a esposa dele é simplesmente a mulher mais linda que eu já vi.

— Então você é o famoso namorado? — disse ele para o Pezão.

— Famoso eu não sei, mas namorado ... — Pezão aparenta estar bem melhor. E já fala com menos dificuldade.

Margareth lhe deu um beijo estalado.

— Eu não disse que tudo não passava de um engano? — disse o velho para ela.

— Disse mesmo. O senhor é um anjo — agora ela beijou a bochecha do Sr. Porrah.

Caralho, todo mundo ganhando beijo e eu aqui chupando dedo? Ah, fala sério!

Ficamos para o jantar.

Sentados à mesa, Pezão começou a contar sua versão do que havia lhe acontecido.

— ... e foi então que este casal estava parado no acostamento, pedindo carona.

— Tem certeza que era um casal mesmo? — disse Margareth, encarando o namorado com olhos ameaçadores. — Aposto que era uma gostosa com uma saia minúscula!

— Nem era. A mulher nem era tão bonita assim e o cara parecia o Shrek.

Todos riram.

— Duvido, Maurício! Você não iria parar se a moça não fosse gostosa. Eu te conheço muito bem!

— Em que ponto da estrada eles pediram carona? — perguntou o velho, sério.

— Sei lá, só consigo me lembrar de umas árvores grandes e ...

— Qual era o nome da moça?

— Eu ia entrar justamente nesta parte. Ela tinha dois nomes!

— Dois nomes? — perguntou Margareth, rindo.

— Sim: Jezebel e Mirabel.

Todos ficaram mudos à mesa, olhando para o Pezão com olhos arregalados.

— Caralho, o que foi que eu disse?

— Você deu carona para a milha filha Jezebel — disse o velho, prestes a chorar.

— Sério? Ela é sua filha?

— Era.

— Como assim, era? Não é mais?

— Ela morreu há 15 anos, filho.

— Ah, vocês estão me zoando, né? — Pezão caiu na gargalhada.

O velho balançou a cabeça negativamente.

Só depois de um bom tempo Pezão parou de rir, ainda desconfiado de tudo aquilo.

— E o gordão Shrek? Também era um fantasma?

— Ele era marido de Jezebel. Suicidou-se alguns dias depois da morte da minha filha, no mesmo local do acidente.

Mais tarde, naquela mesma noite, Margareth recebera uma notícia desagradável: o hospício onde o pai dela supostamente estaria internado havia pegado fogo exatamente no mesmo ano em que a filha do velho morrera. Ninguém sobreviveu.

Pois é ... Sinistro!!!

Outra coisa: Pezão jura que não viu a tal da placa ORUOGA 1KM. E também jura que ao invés de um terreno baldio havia um hospício. Se havia, sumiu como um peido, pois eu não vi porra nenhuma de hospício. Só vi mato!

E agora chega de fantasmas e anões esquisitos!!!

Tudo o que eu quero é voltar pra casa, descansar e pegar uma baladinha. Estou precisando desesperadamente de uma namorada ... ou ficante, sei lá! Só sei que eu não aguento mais ficar sozinho!!! Eu quero beijar na boca!!!

( FIM )