As Aventuras de Nando & Pezão

“O Primo”

Capítulo 8 – Pobre Opala

E em seguida, Pezão encharcou as mãos sobre seus cabelos molhados e ameaçou sacudi-las na direção do primo.

— Não faça isso, cara — sussurrei para ele.

Mas Pezão fez aquela cara de filho-da-puta que só ele sabe fazer, mergulhou suas duas mãos sobre os cabelos molhados outra vez e ... mandou ver.

----------------------------------------

Não pensei duas vezes, saltei na frente do Jibóia para protegê-lo.

— Vai tomar no seu cu, Pezão! — falei, puto da vida.

— Pingou água em mim também, seu idiota! — resmungou Val.

— Vocês são um bando de frescos, isso sim — disse Pezão.

De repente senti meus pés esquentarem. Não é o que eu estou pensando que é ... é?

Infelizmente era.

— Jibóia, se você tem amor à sua vida, diga que você não mijou no meu carro.

Ele ficou olhando para mim, com um misto de espanto e alívio.

— Meu, não me faça repetir a pergunta.

— Credo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! — gritou Val, de repente. — Que cheiro de urina!

Ela abriu a porta, mas aí se deu conta de que a chuva ainda estava muito forte. Entre ficar ensopada e o cheiro de mijo, ela acabou ficando com a segunda opção.

— Eu não acredito que você mijou no meu carro, seu porra! — perdi o controle. — Você é alérgico a água de chuva, mas mijo você suporta numa boa, é isso?

— Desculpa, cara — disse Jibóia, todo encolhido e muito envergonhado.

Pezão começou a rir histericamente, parecia uma hiena que acabara de morder as pernas da Claudia Raia.

— Eca! Vai detonar o seu banco, brother.

Juro para vocês, a minha vontade era pegar o Jibóia pelo pescoço e jogá-lo para fora do carro. Eu queria vê-lo sofrer debaixo daquele maldito temporal que não parava de cair. Eu queria me vingar da mijada que ele deu no banco do meu Opala.

Mas eu não tive coragem. Acho que foi aquele maldito cheiro de mijo; era tão forte que estava me deixando até zonzo.

— Tira a gente daqui, por favor! — resmungou Val outra vez. — Este cheiro está me fazendo mal!

— Passa a chave do carro pra mim — disse Pezão, esticando o braço na minha direção.

Até que não era uma má idéia, afinal de contas o Pezão já estava ali no banco da frente mesmo. Tirei a chave do bolso e passei para ele. Sentei-me o mais longe possível do Jibóia e respirei fundo. Uma curiosidade: meus pés continuam quentes. Putz!

— Vou descer um pouquinho o vidro — disse Val, com uma voz bastante irritada. — Nunca senti um cheiro tão forte em toda a minha vida! Cruzes!

Nisso eu vou ter que concordar com ela: eu também nunca senti um cheiro de mijo tão nojento como aquele. Comecei a me perguntar se ele também não tinha feito outra coisa no carro. Meu, se o Jibóia cagou no meu carro eu juro que mato o filho-da-puta.

Caía um verdadeiro toró lá fora. Bastou a Val descer um pouquinho o vidro, começou a chover dentro do carro. Preciso dizer quem ficou apavorado?

— Fecha a janela!!! — gritou Jibóia, feito um maluco com medo de tomar injeção. — Está chovendo em mim!!!

— Cala a boca, primo!!! — gritou Pezão. — Se ela fechar o vidro a gente morre aqui dentro desta porra.

Pezão engatou a ré e começou a deixar o estacionamento da choperia. Ele dirigiu bem devagar, pois a visibilidade estava péssima. Meu, será que vai acabar o mundo hoje? Que chuva é esta? Será castigo?

— Nandinho, eu estou passando mal.

— Já estamos saindo daqui, Val. Fica calma.

— Eu não estou nada bem, Nandinho — disse ela, agora com uma voz horrível.

Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Val vomitou no painel do meu carro.

— Puta merda!!! — gritou Pezão, assustado. — Vira esta boca pra lá, mina!!!

Ninguém merece. Eu senti uma imensa vontade de chorar naquele momento, mas nem para isso eu tive forças. Fiquei paralisado de horror. Eu não tive coragem para dizer absolutamente nada. Entrei em estado de choque.

Perdoe-me se você tem estômago fraco e não está se sentindo muito bem ao ler este capítulo. Infelizmente estou aqui para relatar os fatos, sejam eles bons ou bizarros. E os fatos são estes: meu carro está mijado e lavado de vômito. Vocês não fazem idéia do cheiro.

O que será que ainda vai acontecer? Isso ...

Quando Pezão ia passando pelo portão do estacionamento, um outro carro passou zunindo feito uma bala e pegou de raspão no meu querido Opala. O barulho foi de cortar a alma. Sabe quando a gente pega uma moeda e passa na lataria de um carro? Calma, gente, eu só fiz isso uma vez na vida, quando era moleque. Imagine um som idêntico a este, só que muitas vezes mais alto.

— Caralho, vocês viram aquele barbeiro filho-da-puta? — disse Pezão, branco de susto. Pezão desceu do carro, com chuva e tudo.

— Aonde você vai? — gritei.

— Vou pegar o cara na porrada — e bateu a porta do Opala com toda a força.

O que será que eu fiz para merecer isso? Agora meu carro está mijado, lavado de vômito e sabe-se lá como ficou a lataria depois deste maldito raspão que nós levamos.

Além de tudo isso, Val e Jibóia não param de chorar e resmungar nos meus ouvidos.

Puta que pariu!!! Vou ter que apelar para uma frase bem conhecida:

CALEM-SE! CALEM-SE! CALEM-SE! VOCÊS ME DEIXAM LOOOOUCO!

Antes que eu mate alguém, é melhor eu descer do carro agora mesmo. Foda-se a chuva, foda-se tudo.

Pezão vinha na minha direção, ensopado e com cara de bunda.

— A bichona fugiu — disse ele, puto da vida. — Bicha barbeira do caralho. Mas fica frio, eu ainda lembro da placa.

— Amassou muito? — perguntei, desanimado.

— Foi de raspão, brother. Mas alguns milímetros mais e o bagulho teria sido feio.

— Qual era o carro do cuzão?

— Era uma Saveiro novinha. Tinha duas bichas no carro. Quando eu chamei os veados para o pau eles saíram fincando.

Não tive coragem de ir olhar o arranhão. Abri a porta e também não tive coragem de entrar no carro. Pezão ficou me olhando e rindo. Cuzão.

— Pensa pelo lado positivo, cara — disse ele. — Se o veadinho da Saveiro tivesse nos acertado em cheio nós não estaríamos aqui agora.

E o pior é que o Pezão estava certo, por incrível que pareça. Meu carro está mijado, vomitado e arranhado, mas ... é apenas um carro. Acho que minha vida vale mais do que um Opala, certo?

E a chuva finalmente começou a dar uma trégua.

Voltamos para o carro. Desci os vidros, pois o cheiro estava insuportável.

— Eo io ora i errgu — resmungou Val.

— O quê? — perguntei.

— Eo io ora i errgu — repetiu ela, chorando bastante.

— Val, não estou entendendo nada do que você está dizendo.

Val limpou o rosto, respirou fundo e disse:

— Meu tio mora aqui perto.

Eu não sabia se olhava para ela ou para o painel todo vomitado. Ai que vontade de estrangular a Val.

— Meu tio mora aqui perto — disse ela, mais uma vez.

— E daí? — disse o Pezão, sentando-se bem longe do Jibóia.

Val ficou uma fera.

— E daí que eu preciso de um banho urgente, meu filho! E daí que eu preciso sair deste carro nojento agora mesmo! E daí que eu não quero olhar para a cara de vocês três nunca mais! Deu para entender?

— Nossa! — disse Pezão em tom de deboche. — A moça está nervosa.

— Não provoca, cara — falei.

Val olhou para mim e disse de uma forma um pouco mais calma:

— Por favor, me leva para a casa do meu tio.

— Levo. Se você me indicar o caminho ...

— Vira aqui — disse ela, apontando para a direita.

E o tio dela morava perto mesmo, a três minutos da choperia. Afinal de contas, o cara é o dono da choperia.

Vocês não acreditam, a mansão do cara deve ser duas vezes maior do que a da mãe do Pezão. Bonita pra caralho. Três dobermans parrudos tomam conta do jardim.

Parei o carro bem na frente do portão. Os dobermans ficaram enlouquecidos com a nossa presença.

— Seu tio é político? — perguntei.

Val balançou a cabeça negativamente.

Ficamos num silêncio meio embaraçoso por alguns instantes. De repente a Val me lançou um olhar melancólico e disse:

— Perdoe-me por ter vomitado no seu carro. Sinto muito.

Tentei manter a seriedade, mas acabei rindo. E meu riso provocou uma reação em cadeia, pois todos começaram a rir também. Acreditem se quiser, até o Jibóia riu.

Enquanto todos riam feito hienas numa rave, Val colocou a mão no bolso de trás da saia e tirou um cartão magnético.

— Vai pagar os estragos do meu carro? — perguntei, brincando.

— Coitada de mim, não tenho grana pra isso não.

— Mas que cartão é este?

Val pegou no meu braço e me puxou para fora do carro. Fiquei com pena de vê-la daquele jeito, toda manchada de vômito. Não caía mais uma gota de chuva. O céu estava inacreditavelmente bonito.

— Que tal tomarmos um banho quente juntinhos? — disse ela, toda empolgada.

— Olha, até que não é uma má idéia — respondi, sorrindo.

Ela me deu um beijo. Eca! Beijo com sabor de vômito ninguém merece, né?

Depois do beijo ela pegou o cartão magnético, inseriu numa caixinha ao lado do interfone e o portão fez um estalo. 

Porra, eu ainda tinha esperanças de que fosse os cartão de crédito do pai dela, e que a Val fosse usá-lo para pagar os estragos no meu carro. Bom, deixa quieto então.

— Vamos? — disse ela, apontando para o jardim da mansão.

— Espera aí, e os dois? — falei, apontando para o Opala.

— Eles podem vir com a gente, se quiserem.

Val acalmou os dobermans e nós quatro adentramos a mansão.