As Aventuras de Nando & Pezão

“O Primo”

Capítulo 3 – Socorro, Nando!

De repente, quando eu estava prestes a deixar o cortiço, olhei para a minha direita e vi uma moça muito bonita atravessar um corredor e entrar por uma porta azul.

Não sei se foi só impressão minha, mas a moça era parecidíssima com a minha querida e finada Caroline.

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Será que é ela?

Não. Não pode ser. Caroline está morta. Encare os fatos e siga em frente, porra!

De repente um cara com mais de dois metros de altura pára bem na minha frente, impedindo minha passagem.

— Está procurando alguém, colega? — disse o gigante.

Inconscientemente, olhei mais uma vez na direção da porta azul, por onde entrara a guria parecida com a Caroline. Depois olhei para o gigante e respondi calmamente:

— Não. Já estou de saída.

O cara me olhou desconfiado. Aquilo começou a me preocupar. O gigante tem um jeitão de líder do Carandiru.

— Você veio atrás do Pipoca? — insistiu ele, olhando feio para mim.

— Pipoca? Não, não ... Nem sei quem é este tal de pipoca, eu só vim trazer um amigo meu e ...

— Aquele ali é o seu amigo? — disse ele, apontando para o Pigmeu, que vinha em nossa direção.

— Sim, é ele.

— Aquele é o irmão do Pipoca — e o grandão arregalou os olhos para mim, como se me acusasse de matar a própria mãe. — Anda, filho da puta, corta o papo furado e me diz o que vocês vieram fazer aqui.

Agora lascou. Estou sentindo que a coisa vai ficar feia. E que papo é este do Pigmeu ser irmão do Pipoca? Eu nem sabia que o Pigmeu tinha irmão.

Olha, o que eu fiz a seguir, nem eu acredito. Mas fiz. Parece coisa que a gente vê em desenho animado do Pernalonga. Mas o pior é que funcionou.

— Caralho, que loira gostosa! — falei, apontando para um corredor à esquerda do grandão. O vacilão olhou, para a minha sorte.

Eu dei no pé. Passei por ele feito uma bala. Nunca corri tanto. Meu coração veio parar na minha garganta. Olhei para trás e notei que o grandão não viera atrás de mim. Achei muito estranho. Pensei que ele fosse me perseguir até o fim dos tempos. Putz, acho que ando assistindo muito filme de ação.

Entrei no Opala, engatei a primeira e saí fincando. Quando passei em frente ao cortiço eu descobri por que o grandão não viera atrás de mim. Ele escolhera uma vítima mais fácil: Pigmeu.

Confesso que eu pensei em passar reto e ignorar aquela cena terrível, mas não consegui. Não sei se foi instinto ou sei lá o quê, só sei que encostei o Opala e corri para dentro do cortiço. Pensei em gritar e pedir ajuda. Mas não havia mais ninguém por perto. E tem mais, quem me garante que a ajuda ficaria do meu lado?

Tive que agir por conta própria.

O grandão estava chutando o coitado do Pigmeu. Os chutes eram tão violentos que até eu sentia uma pontinha de dor a cada golpe.

Entrei no cortiço feito um gato, na pontinha dos pés. O grandão estava de costas para mim. Aquela cena me fez lembrar de vários filmes, quando o mocinho franzino chega e desfere um golpe num bandido bem maior que ele; geralmente o bandido sente apenas uma cócega, ri e ... vocês sabem, o mocinho leva um soco ou recebe uma cadeirada nas costas.

Bom, mas isso aqui não é cinema. Vamos ver no que dá.

Aproximei-me do grandão e dei-lhe um puta chute no meio das pernas. Tive que chutar bem alto, pois o grandão tinha pernas muito compridas.

Se ele sentiu cócegas eu não sei, mas que sentiu uma puta dor ... sentiu. O gigante desabou no chão do cortiço, gemendo e gritando todos os palavrões possíveis e imagináveis.

Notei alguns olhares nos observando pelas janelas; eram olhares de felicidade. Parece que o grandão não é muito bem visto pelos moradores do cortiço.

— Você tá ferrado comigo — disse o grandão.

Puxei Pigmeu pelos braços e o ajudei a se levantar. O coitado estava todo machucado e estava mais grogue do que de costume.

De repente tive outra alucinação ... Vi Caroline outra vez. Ela me observava por uma janela. O susto foi tão grande que quase derrubei Pigmeu.

— Cuidado! — gritou uma voz à minha direita.

O grito foi pra me avisar que o grandão estava tentando se levantar.

Segurei Pigmeu o mais firme que consegui e o arrastei para fora do cortiço. Ajeitei o coitado no banco de trás do Opala e saí em disparada, rumo ao pronto-socorro.

Pobre Pigmeu, está sempre levando uma surra de alguém. Mas desta vez o bagulho foi sério; acho que se eu não impedisse o gigante ... tchau Pigmeu e suas joaninhas iradas.

Olha, vou contar para vocês, se eu soubesse do interrogatório pelo qual eu iria passar no pronto-socorro, não teria ajudado o Pigmeu.

Tive que passar por uma verdadeira sabatina para internar o maluco. As enfermeiras queriam saber por que ele cheirava tão mal e como era possível ele ainda estar vivo, mesmo tendo o sangue tão cheio de ... impurezas.

Quase fomos parar na polícia. Dá para acreditar? Hoje não é o meu dia mesmo.

Quando cheguei em casa o almoço já estava frio, é claro. Desgraça pouca é bobagem.

— Credo, Nando, que cheiro horrível é aquele no seu carro? — disse minha mãe, fazendo uma careta bem engraçada.

— Dei carona para um amigo — respondi, enquanto acendia o fogão para esquentar o meu almoço.

— Amigo ou um gambá? Que horror! Se aquele cheiro não sair do carro, você jamais conseguirá vendê-lo.

De repente senti um estalo. Ótima idéia! Se o cheiro não sair, não vendo o carro. Se eu não vendo o carro, ele fica comigo para sempre e ...

Putz!!! Fui longe demais, hein! Acorda, Nando! Se aquele cheiro não sair, nem você vai conseguir dirigir o Opala e, é claro, jamais vai conseguir que uma garota entre nele. Nem com macumba!

— E que marcas de sangue são aquelas nos vidros? — prosseguiu minha mãe.

— É uma longa história.

E enquanto eu não a contei, minha mãe não me deu sossego. É claro que eu omiti algumas partes, mas deu pra ela ter uma vaga idéia do que aconteceu.

Depois do almoço eu voltei para o meu quarto e ...

TRIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMM!!!!

O maldito telefone começou a berrar feito uma criança com fome. Será que é do pronto-socorro? Será que o Pigmeu partiu desta para a melhor?

— Alô!

— Me ajuda, cara!!! — é o Pezão.

— O que aconteceu?

— Pega o carro e dá um pulo aqui em casa, agora!!! Ou vou acabar fazendo uma besteira.

— Caralho, Pezão, conta logo o que aconteceu!

— Ah, é o meu primo — Pezão falou baixinho.

— O que foi desta vez? Ele resolveu mijar na sua TV de plasma?

— Muito pior.

— Pezão, estou cagando e andando. Dá seus pulos, cara!

E desliguei o telefone na cara do filho da mãe.

Mas é lógico que o telefone berrou outra vez. E mais uma vez ... e outras e outras vezes. Até que ele passou a ligar para o meu celular.

Não teve jeito. Tive que atender.

— O que foi, porra???

— Vem aqui me socorrer, cara, por favor!!!

— Pezão, você sabe muito bem que eu odeio o babaca do seu primo.

— Mas ele mudou, Nando. Mudou até demais.

— Como assim? Virou gay?

— Não sei se chega a tanto, mas ...

— Desembucha, porra!!!

— O cara virou um moscão dos infernos!!!!!!!!!!!!

— Moscão? Como assim?

— Ele era meu ídolo na infância, você lembra. Mas o filho da mãe cresceu e virou um bunda mole.

— Quer dizer que o Jibóia virou uma Minhoquinha?

Pezão caiu na gargalhada. Depois disse baixinho:

— Bem por aí, cara. Anda logo, porra, vem pra cá. Se eu ficar mais dois segundos sozinho com ele, serei obrigado a me jogar da janela do meu quarto.

— Sério? Gostei da idéia, hein!

— Vai tomar no seu cu, Nando!

— Já falei uma vez e vou repetir: dá seus pulos!!!

— Seu cuzão, você não tem nada pra fazer mesmo! Vem pra cá, porra!

— Não. Vou lavar o Opala. O bichão está com um puta cheiro de gambá e ...

— Comeu uma pé-vermeio, né? E nem me contou, caralho?

— Não comi pé-vermeio porra nenhuma!

— Traz o Opala aqui em casa! A gente dá um trato nele.

— Bom, até que não é uma má idéia. Sozinho vai dar muito trampo e ...

— Vem logo, porra!!!

E lá fui eu para a casa do Pezão.

Meu, quando eu entrei no Opala, o cheiro estava tão forte, mas tão forte, que eu quase fui jogado para fora. Putz!!! Aposto que tem um monte de urubu sobrevoando a garagem da minha casa.

Dirigi o mais rápido que pude, antes que eu morresse asfixiado. Mesmo com os vidros totalmente abaixados, o cheiro ainda era insuportável.

Maldito Pigmeu dos infernos; vai ficar me devendo mais uma. Nunca mais dou carona para aquele maconheiro desgraçado.

Pezão me aguardava em frente ao portão. Este já estava escancarado. Pezão fez sinal para eu entrar com o Opala dentro do quintal.

— Pára ele ali sobre a grama — disse ele, apontando com as mãos.

Fiquei impressionado. Já estava tudo preparado: mangueira, baldes com sabão, esponjas, panos e o escambau. Será que o Pezão bateu a cabeça? Será que ele está freqüentando a seita do Babalu Cósmico outra vez?

Só não vi o tal do primo moscão. Será que o Pezão jogou o cara pela janela?

— Cadê o Jibóia? — perguntei, enquanto descia do carro. Foi um alívio deixar aquele maldito cheiro para trás.

— Está tomando uma penca de remédios lá na cozinha — disse Pezão, fazendo uma puta cara de desânimo. — O filho da mãe é alérgico a tudo. Nunca vi coisa igual.

Ficamos em silêncio por alguns intantes. De repente algo me veio à cabeça, e botei para fora:

— Será que existe alguém que seja alérgico à xoxota?

— Caralho, já imaginou?

Pezão caiu na gargalhada, parecia uma hiena americana jogando basquete.

— Ainda bem que você veio, porra — disse ele, enchendo um balde com água da mangueira. — Talvez o Jibóia se anime um pouco e ...

Ouvimos passos na grama. Era ele: Jibóia. Meu, o Pezão tinha razão; o cara está bem diferente. Quando moleque ele tinha um cabelo que era só gel, vestia roupas descoladas e tinha um jeitão malandro de andar. O Jibóia de hoje parece mais um jogador de xadrez, todo engomadinho e mauricinho. O óculos com lentes fundo-de-garrafa deixa seus olhos enormes e muito engraçados. Aquele ali é o mesmo cara que infernizou boa parte da minha infância?

— Nando, é você? — disse ele, abrindo um sorriso meio amarelo.

— Quanto tempo, cara — falei, sem sorrir. Fiz cara de bunda mesmo.

Jibóia continuou vindo na minha direção. Se o que ele quer é um abraço, sinto muito, mas não vai conseguir nem a pau. Chuto o saco dele, se for necessário.

Eu estava sentado no capô do Opala quando ele veio e parou do meu lado.

— É seu? — disse ele, abrindo a porta do carro.

— Yes — respondi.

Jibóia sentou-se no banco do motorista e começou a brincar com o volante. Parecia uma criança que nunca viu um carro antes. Através do vidro eu vi Jibóia ficar cada vez mais amarelo.

— Que cheiro horrível é este? — disse ele.

— Meu, acho melhor você descer logo do carro e ...

Tarde demais. Jibóia vomitou tudo o que podia e o que não podia no painel do meu Opala. Na hora eu fiquei tão horrorizado que meus músculos congelaram. 

Pezão não conseguia parar de rir. 

— Fica frio, Nando — disse ele, quase sem fôlego de tanto rir. — Você trouxe o carro pra gente limpar mesmo, não foi?

Puta que pariiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiu!!! Hoje eu mato alguém.