As Aventuras de Nando & Pezão

“O Primo”

Capítulo 2 – O Cortiço 

Minha mãe ficou em silêncio por alguns instantes, depois disse:

— Você sabe que pra pagar a sua faculdade, você vai ter que vender o carro.

Putz!!! Saber eu até sabia, mas precisava me lembrar disso agora, mãe? Sacanagem, hein!!!

— É, eu sei — lógico que respondi quase chorando. E minha mãe percebeu minha dor, é claro. Mãe é mãe, você sabe.

— E mesmo vendendo o carro, você terá que arranjar um emprego também.

Putz!!! Se eu já estava deprimido, imagine agora. Resolveram me dar todas as notícias ruins num dia só??? Assim não vale, porra!!! Só falta eu passar pela sala e meu pai me contar que tenho câncer no pênis.

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Ao passar pela sala, ninguém me contou que eu tenho câncer no pênis, mas tropecei num maldito carrinho de controle-remoto dos meus irmãos caçulas. Foi um tombo daqueles! É claro que soltei todos os palavrões possíveis e imagináveis.

— Lava esta boca, Fernando!!! — esbravejou minha mãe.

Juro pra vocês, se eu estivesse sozinho em casa com os meus irmãos, teria enfiado aquele maldito carrinho no cu de um deles.

Depois do tombo, confesso que fiquei com um pouco de medo de sair com o Opala. Meu, hoje parece ser mais um daqueles dias onde tudo dá errado. O meu carro é a única coisa de valor que eu tenho.

Ah, quer saber? Foda-se! Se toda vez que acontecer algo de ruim comigo, eu ficar apavorado, nunca mais vou sair de casa.

Tirei o Opala da garagem e saí para dar uma volta.

Bastou eu ligar o som, tive mais um sinal de que o dia vai ser daqueles. Olha só o que estava tocando no rádio ... "Vai, Lacraia! Vai, Lacraia!"

Puuuuuuuuuuuuuuuta merda!!! Ninguém merece. Fui obrigado a encostar o carro e procurar algum CD. Ou prosseguir em silêncio mesmo. Se até as rádios estão contra mim, prefiro ouvir o ronco do motor do Opalão.

Calma, Nando, não seja tão melodramático. No porta-luvas tem um CD do Alice In Chains. Não é bem o tipo de banda que eu gostaria de ouvir num dia ensolarado como este, mas ... é bem melhor que Vai, Lacraia!!!

Engatei a primeira e saí queimando os pneus. Por muito pouco não estraçalho um cão vira-latas. Sai da frente, porra!!!

Bem que eu poderia encontrar uma donzela para dar uma carona. Uma morenona peituda, de coxas grossas e lábios carnudos. Conversa vai, conversa vem, ela desistiria de ir para casa e me pediria para levá-la para o motel mais próximo. Putz!!! Calma, Nando Júnior!!! Isso não vai acontecer, cara!!! Principalmente hoje. Do jeito que está o dia, é mais fácil um assaltante de banco me parar e levar meu querido Opala.

Bom, nem a morenona peituda, nem o assaltante de banco. Aconteceu outra coisa.

Eu estava virando a esquina do cemitério, quando vi uma cena curiosa: dois garotinhos chutando um mendigo na calçada. Os moleques não tinham mais do que nove anos cada um, mas eu tentei me imaginar no lugar do mendigo e não achei nada gostoso. Resolvi encostar o carro e acabar com aquela brincadeira idiota. Porra, coitado do mendigo!

— Deixem o cara em paz! — gritei, descendo do carro.

Um dos pestinhas teve a moral de mostrar aquele famoso dedo para mim. Meu, fiquei tão puto que saí correndo atrás dos fedelhos. Eles recolheram uma bola de futebol que estava jogada ao lado do mendigo e saíram em disparada.

Aproximei-me do mendigo para ver se ele estava bem. E foi aí que tomei um puta susto. Meu, vocês não vão acreditar em mim. Não era um mendigo, era o Pigmeu!

— Anões, matem os anões!!! — gritou Pigmeu, com um olhar assustado.

— Calma, eles já foram embora.

Estendi minha mão para ajudá-lo a se levantar. Meu, não é à toa que eu o confundi com um mendigo; Pigmeu está um bagaço só, suas roupas estão todas rasgadas e creio que ele não toma banho há uns dois meses, no mínimo.

— Odeio anões — disse ele outra vez.

Se o Pigmeu não fosse um chegado meu, juro que eu sairia correndo pra bem longe. Seu cheiro está insuportável!!! Deve estar todo cagado e mijado.

— Não eram anões — disse eu. — Eram apenas dois garotinhos filhos da puta.

— Da próxima vez eu mato aqueles malditos anões!!!

— Você fez alguma coisa para eles? Os moleques pareciam estar com muita raiva de você, cara.

— Malditos anões ingratos!!! Eles vinham passando e vi algumas joaninhas iradas. Aí eu ...

Putz!!!

— Já entendi — falei. — Aí você chegou por trás deles e .. PA!!!

Pigmeu ficou me olhando com aqueles olhos vermelhos.

— Pa? — disse ele, curioso. — Que Pa? Não teve Pa nenhum. Eu dei um golpe samurai nos anões e eliminei umas dez joaninhas iradas de uma vez só.

Por um segundo eu até esqueci o cheiro terrível que vinha do maluco e comecei a rir feito uma hiena no show do U2.

— Eu já falei que odeio anões?

— Já, Pigmeu, umas vinte vezes.

— Anões são ingratos. Malditos anões ingratos.

Meu, ninguém merece.

Caralho, acho que o Pigmeu finalmente se deu conta de que está fedendo. Ele começou a tapar o nariz e fazer umas caretas estranhas.

— Você está com gases, camaradinha — disse Pigmeu, bem sério.

— Vai se foder, Pigmeu!!! Você é que está fedendo, cara!!!

— Se não foi você, então foram aqueles malditos anões!!! Anões sofrem de gazes, eu vi naquele filme O Senhor dos Anais.

Putz!!! Senhor dos Anais foi foda. Será que é uma versão pornô? Preciso alugar.

Acho melhor eu dar o fora daqui, o cheiro do Pigmeu está começando a me dar náuseas.

— Foi um prazer te ver, cara — disse eu. Falso!!!!!

E Pigmeu ficou me encarando, como se tivesse visto um fantasma.

— O que foi, cara? — perguntei.

— Você parece um camaradinha amigo meu.

— Pigmeu, seu porra!!! Esse seu amigo sou eu, o Nando!!!

— Não, você não é o Nando.

— Claro que sou eu, caralho!!!

— O Nando é bem mais alto que você, camaradinha. Ele tem quase o dobro da sua altura.

Putz!!! Eu mereço? Bom, mas pelo menos ele me deu uma boa desculpa para ir embora sem remorsos.

— Você tem razão — concordei. — O Nando é bem mais alto e mais bonito.

— Não. Vocês dois são bem feios.

Se ele não fosse maluco eu juro que teria batido nele. Mas deixa pra lá, os moleques já bateram bastante nele hoje.

Fiz um sinal de positivo para o maluco e me mandei dali. Pigmeu ficou me olhando com aquele olhar de criança curiosa. Dei tchau e ele não me respondeu; continuou me olhando. Entrei no carro e a cena continuou a mesma, Pigmeu não tirava os olhos de cima de mim.

Não consegui ligar o carro. Não tive coragem. Senti muita pena do Pigmeu. O coitado estava ali no meio da calçada, totalmente perdido, sem noção alguma da realidade, roupas sujas e cheirando como um gambá. Coitado do maluco. Seria muita sacanagem da minha parte deixá-lo ali sozinho.

Resolvi ajudá-lo. Sei que vou acabar me arrependendo, mas foda-se.

Saí do carro e gritei para ele:

— Quer uma carona?

Depois de alguns segundos de atraso ele respondeu:

— Quero.

E o maluco continuou parado na calçada. Não moveu um músculo.

— Então entra no carro, porra! — perdi a paciência.

— Você não perguntou se eu queria entrar no carro. Perguntou se eu queria carona.

Eu mereço ... eu mereço!!! Parei o carro mais próximo dele.

— Entra logo, Pigmeu!!!

— No seu carro? Não. Aí eu não entro.

— Comeu cocô, Pigmeu? Você não disse que queria a carona?

— Sim, mas neste carro eu não entro. De jeito nenhum. Não entro.

— Por quê?

— Por que foi num carro como este que levaram o meu tio Jacinto para o cemitério.

— E daí, porra?

— E daí que depois daquele dia eu nunca mais vi o meu tio Jacinto. Acho que enterraram ele.

Meu, eu vou descer do carro e chutar o cu do Pigmeu. Vocês são testemunhas, eu queria ajudar o maluco, mas ele não está colaborando!!!

— Fica frio, eu também morro de medo de cemitérios — minha última tentativa.

Detalhe: nós já estamos na rua do cemitério. Mas é claro que ele nem suspeita disso. Acho que ele nem suspeita de que estamos no planeta Terra, né?

— Sério? — disse ele, animado.

— Sério. Agora entra no carro.

Aleluia!!!!!!! O maluco finalmente entrou no Opala. E foi exatamente neste momento em que me arrependi amargamente em lhe oferecer ajuda. Meu carro foi tomado por aquele cheiro terrível de ce-cê com urina de gambá. Nossa!!! Pior do que este cheiro, só aquele que o irmão do Pezão inventou. E mesmo assim, é pau a pau.

Saí fincando.

— Você ainda mora no mesmo lugar? — perguntei, sem muita expectativa de ouvir uma resposta sensata.

Pigmeu nem prestou atenção na minha pergunta, ele estava muito agitado. Olhava para todos os cantos do meu carro, meio assustado. Deve estar vendo joaninhas iradas por todos os lados.

— O que foi? — perguntei. — Perdeu alguma coisa?

— Estou vendo se você não escondeu o meu tio Jacinto.

Eu não sabia se ria ou se chorava.

— Por acaso o sobrenome do seu tio era Pinto Norrêgu?

— Sim! Não. Não sei, camaradinha.

Ah, deixa pra lá. Malucos não têm senso de humor. Ele nem percebeu a piada.

Chega de papo. Vou levá-lo até a rua onde ele morava e dane-se, ele que se vire por lá.

De repente, do nada, Pigmeu solta uma dessa:

— Sua mãe está bem?

— Como é que é? Minha mãe?

— Sim, camaradinha, ela está bem?

— E por acaso você conhece a minha mãe?

— Claro, Nando!

Porra, o maluco finalmente lembrou de mim? Eu, hein!!!

— Você estava zoando comigo, Pigmeu? — falei, puto da vida.

— Eu? Claro que não! Eu juro que vi um homem estrupando sua mãe, cara! Eu vi, camaradinha!

Putz!!! Não acredito nisso. Minutos atrás o cara nem sabia quem eu era; agora conseguiu se lembrar disso? Ah, fala sério!!! É por isso que eu não uso drogas.

— Aquela não era a minha mãe, Pigmeu!!! Era uma ex-namorada minha.

— Sua namorada foi estrupada na sua frente e você não fez nada?

— Não tinha estuprador algum, porra!!! Era eu que estava transando com ela sobre o capô do carro.

— Você estrupou sua própria mãe, camaradinha???

— Não era a minha mãe, porra!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Meu, se a casa do Pigmeu não chegar logo, vou enfiar o CD do Alice In Chains no cu do maluco e empurrá-lo para fora do carro!!! Ah, fala sério!!! Ninguém merece!!!

Pisei fundo, como poucas vezes havia feito com o Opalão. Acho que avancei uns dois sinais vermelhos, mas foda-se. Eu estava tão nervoso e com tanta pressa que nem me dei conta.

Mas finalmente chegamos.

Putz!!! Assim que encostei o carro, lembrei daquela noite em que passei com a Caroline na casa do Pigmeu. Lembram? Foi nossa última noite juntos.

— Você ainda mora ali naquela casa? — perguntei, apontando para o local.

— Está falando comigo?

— Não, porra, com o seu tio Jacinto!!! É claro que é com você, Pigmeu!!!

— Não fique nervoso, camaradinha. Um dia a gente pega o estrupador da sua mãe e dá uma surra nele.

— Pigmeu, some do meu carro agora — falei, controlando-me para não voar no pescoço dele. — Antes que eu faça uma besteira.

— E a minha carona, camaradinha?

— Hã? Já dei a carona, porra!!!

— Deu nada! A minha mina não mora aqui.

— Mina? Que mina?

— Eu tô morando com a minha mina.

Putz!!! Pra suportar o Pigmeu, a garota tem que fumar ou cheirar um bagulho dos fortes, hein!!! Bom, foda-se, tudo o que eu quero é me livrar deste maluco o mais rápido possível.

— E onde ela mora? — perguntei.

— Ela quem?

— A sua mina, Pigmeu!!!

— A Gercylene?

— E eu é que sei?

— A Gercylene mora num cortiço aqui perto. Mas eu prefiro a Filó.

— Filó? Que Filó?

— A Filomena.

Meu, sou apenas eu ou vocês também estão ficando confusos?

— Pigmeu, o nome da sua mina é Gercylene ou Filomena?

— Não, camaradinha, uma é uma, a outra é outra. Gercylene é a minha noiva. A Filomena é só sexo.

Putz!!! O cara não consegue nem se lembrar do planeta onde vive, mas consegue dar conta de duas mulheres? Essa é boa. Tem alguém botando viagra na maconha do Pigmeu.

— Pigmeu, qual delas mora mais perto?

— A Gercy. Não, é a Filó. Espera, acho que é a Gercy mesmo.

— Pára de palhaçada, Pigmeu! Escolhe uma, porra!

Por incrível que pareça, Pigmeu conseguiu me guiar até o cortiço da sua noiva Gercylene. Foram mais dez minutos de sofrimento. Vocês não fazem idéia do mau-cheiro que está o Pigmeu.

Senti calafrios ao entrar naquele cortiço. O lugar era barra-pesada. Cada figura esquisita! E cachorros, muitos cachorros! Nunca vi tanto cachorro na minha vida.

No meio do caminho senti uma vontade enorme de voltar correndo pro carro e sumir dali, mas a minha curiosidade em conhecer a noiva do Pigmeu foi maior.

— É aqui — disse Pigmeu, parando diante de uma porta amarela, com o número 69 pintado em vermelho.

— Meia nove! — Falei, rindo. — Belo número. Mas combina mais com a outra. Aquela que você disse que é só ...

Pigmeu ficou me encarando com aquele olhar curioso.

— Não se mexa — disse Pigmeu, super sério.

Puta merda! Meu corpo todo congelou. Aposto que é algum ladrão vindo por trás para levar a minha car ...

E Pigmeu me deu um daqueles famosos tapas na minha testa. Depois me mostrou três dedos.

— Já sei — disse eu, puto. — Três joaninhas iradas na minha testa.

— Não. Só duas. A outra eu não sei o que era. Mas era irada também!

E a porta amarela finalmente abriu-se. Apareceu uma moça baixinha com avental na cintura. Não era nem feia nem bonita. Pela aparência atual, eu daria uns trinta e poucos anos. Mas creio que ela tenha bem menos. Este lugar aqui deve envelhecer as pessoas mais rapidamente.

— Resolveu aparecer, foi? — disse ela, super irritada.

— Calma, camaradinha — disse Pigmeu, aproximando-se da moça.

— Camaradinha é a puta que te pariu!!!

Caramba!!! A moça falou com tanto gosto que até cuspiu em mim.

— Calma, Gercylene!!!

Meu, quando Pigmeu disse Gercylene, a moça ficou vermelha de raiva. Deu pra ver as veias saltando em sua testa.

— Do que é que você me chamou? — disse ela, colocando as mãos na cintura.

Xiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! Acho que o Pigmeu fez confusão. Esta aqui deve ser a tal da Filó, aquela que é só ...

— Quem é Gercylene? — perguntou a moça, batendo no Pigmeu com tapas e chutes.

— Calma, Dona Filomena! — disse eu.

Putz!!! Pra que eu fui abrir minha boca? A mulher arregalou os olhos pra mim e me deu um safanão na orelha. Estou ouvindo sinos até agora.

— Calma o seu cu!!! — disse ela para mim. — E que história é esta de Filomena? Meu nome é Marycleide!!! E quem é você?

— Eu sou alguém que não devia ter saído de casa hoje — respondi, afastando-me de fininho.

E depois saí correndo daquele maldito lugar.

Fui perseguido por uns três cachorros pulguentos, e um deles até conseguiu morder meu tornozelo, mas eu continuei correndo.

De repente, quando eu estava prestes a deixar o cortiço, olhei para a minha direita e vi uma moça muito bonita atravessar um corredor e entrar por uma porta azul.

Não sei se foi só impressão minha, mas a moça era parecidíssima com a minha querida e finada Caroline.