As Aventuras de Nando & Pezão

“Mistério Misterioso”

Capítulo 2 – O Carro Preto

Agora fica a pergunta ... Quem foi o assassino? Será que foi a madrasta? Se foi ela, então quem seria o homem da cicatriz na testa?

E mais uma ... O assassino virá trás de mim?

O guri tinha me dito que eu seria o próximo, não foi?

Perdoem-me, mas preciso ir ao banheiro. A vontade de mijar na cueca passou, em compensação me deu um cagaço!!!!!!!!!

Santa Pixirica.

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Não vou mentir para vocês; a notícia me deixou com os nervos à flor da pele. Passei o dia meio paranóico; assustando-me com praticamente tudo que se movia à minha frente.

Quando a noite chegou eu fiquei ainda mais assustado, é claro.

E o pior de tudo é que eu não consegui entender o motivo de tanto medo. Afinal de contas eu corro perigo? O guri havia me dito que a sua madrasta estava na minha cola. Mas por que a mãe da Caroline viria atrás de mim? O que eu fiz para ela? Só por que eu comi a filha dela algumas vezes? Não, isso não é motivo para uma mãe vir atrás de mim. Se fosse assim eu já estaria morto há muito tempo, não é?

Tentei relaxar de todas as formas possíveis. Até aquilo eu fiz. Se é que você me entende.

Depois liguei a TV e deixei no Programa do Jô. Estava tão interessante que eu devo ter dormido logo no começo da segunda entrevista da noite.

Nem preciso dizer que tive sonhos terríveis, não é? Num deles um homem misterioso me perseguia numa estrada deserta. Ele com um carro preto — muito parecido com aquele do seriado Super Máquina — e eu com um Fusca vermelho. Falando em Fusca vermelho, vocês já repararam que este carro me persegue? Analisem comigo ... o travecão psicopata que encontrei no episódio do Show do Rappa tinha um Fusca vermelho; Caroline, minha doce e falecida Caroline, também tinha um Fusca vermelho. Meu, muito estranho isso. É coincidência demais para o meu gosto. Mas voltando ao meu pesadelo ... O cara misterioso me perseguiu durante horas, até que capotei o Fusca num barranco. Saí do carro sem um arranhão sequer, mas o maluco assassino continuou na minha cola, atirando em mim com uma espingarda velha. Ainda bem que o cara era ruim e não acertou nenhum tiro; nem de raspão. Curioso como a minha sorte muda nos pesadelos, não? Se fosse na vida real eu garanto que já teria morrido ao capotar o Fusca. Bom, não vou me alongar muito ... o psicopata me perseguiu por um bom tempo; cruzei rios, estradas de terra e vastos matagais. Sempre correndo desesperadamente. Num determinado momento ele finalmente me alcançou. O desgraçado me acertou um golpe com o cano da espingarda, derrubando-me. Para ser sincero eu estava mais curioso do que assustado. Eu queria muito saber quem era aquele filho da mãe que me perseguia por horas e horas. Mas quando olhei para ele só consegui enxergar uma cicatriz na testa; o rosto estava todo borrado e fora de foco.

E foi aí que acordei ...

Eu estava todo molhado. Calma, porra! Molhado de suor ... de suor!!! Se liga!

Levantei ainda mais paranóico, se é que isso era possível. Tomei um banho para me livrar do suor e voltei para o meu quarto. Notei que minha mãe me olhou com uma cara bem estranha, mas não me disse nada. Um verdadeiro milagre, diga-se de passagem.

Abri a janela do meu quarto e levei o maior susto de toda a minha vida ... o meu coração quase congelou. Havia um carro preto estacionado em frente ao portão da minha casa. Não era exatamente o mesmo carro do pesadelo, é claro que não. Isso aqui não é nenhum filme de Hollywood; isso aqui é a vida real. Porém o carro era preto e estava lá, estacionado em frente ao portão da minha casa. Era um Opala preto.

Alguém aqui já viu alguma pessoa bondosa e caridosa dirigindo um Opala preto? Eu não sei você, mas eu nunca conheci. Só pode ser o carro do assassino do moleque! Entrei em pânico. Peguei o telefone e liguei para o Pezão. Sei lá por que eu fiz isso, mas fiz. Acho que foi o desespero. Sei lá, porra! Eu precisava desabafar com alguém, nem que esse alguém fosse o meu amigo mais filho da puta.

— Alô — era a voz do pirralho.

— Seu irmão está aí, guri? — perguntei, segurando o telefone com força e olhando o carro pelo vão das cortinas. Meus olhos nem piscavam.

— Que voz é esta, Nando?

— Voz de cagaço. Agora chama o Pezão, caralho!!!

— Calma, oh! Vou chamar. Está todo mundo nervosinho hoje. Eu, hein!

Alguns segundos depois o guri passou o telefone para o irmão.

— Fala — disse Pezão, com a voz meio estranha. Acho que ele estava mastigando alguma coisa.

— Pezão, acho que eu vou morrer.

E o filho da mãe caiu na maior gargalhada da história; parecia uma hiena com complexo de Édipo.

— Estou falando sério, porra!!! — falei, fulo da vida.

— Isso é hora pra pegadinha, porra? Sérgio Mallandro é só no final de semana.

— Que mané Sérgio Mallandro??? Estou falando sério, caralho!!!

— Sei, sei.

— É sério!!! Tem um assassino psicopata parado em frente ao portão da minha casa!!!

— Entendo. E ao invés de você ligar para a polícia, ligou para mim. Inteligente pra caralho.

Fiquei sem saber o que dizer por alguns instantes. De certa forma ele estava com a razão. Senti-me um completo idiota.

— Não liguei para a polícia porque ainda não tenho certeza se o carro é mesmo do assassino.

— Nando, você comeu cocô no café da manhã???

— Pra falar a verdade eu devo ter comido sim; e devo ter tomado muito café com mijo também. Acordei péssimo.

— Você está zoando comigo, não é? É pra se vingar de alguma coisa?

— Não estou zoando, cara. Eu juro que não!

Acreditem ou não; jamais contei para o Pezão a respeito do telefonema do guri. Então é bem provável que ele não esteja entendendo porra nenhuma sobre este lance de assassino psicopata.

— Então vai tomar no seu cu!!! — disse ele. Depois bateu o telefone na minha cara. 

Amigão, hein!!! 

Coloquei o telefone novamente no gancho e voltei meus olhos para a frente do portão. O maldito carro misterioso continuava lá. A pintura brilhava sob o sol da manhã. Mas nenhum sinal do assassino.

De repente alguém bateu na porta do meu quarto.

Meu coração quase saltou do meu peito, fazendo um estrondoso Tum tum!!! Tum tum!!! E agora? Será o assassino? Porra, Nando, assassinos não batem na porta! Se liga!

— Posso entrar? — não era o assassino; era apenas a minha mãe.

Ufa!!!

— Entra — disse eu, tentando disfarçar meu pavor.

Mas mãe é mãe ... Ela entrou, olhou para mim e:

— Credo, Nando!!! — ela me olhou com uma expressão de espanto. — Que cara é esta? E por que você está tremendo tanto? Está com frio? Está com febre? Mas está um tremendo calor!!! O que você tem? Está doente?

— Calma, mãe!!! Calma!!!

E ela saltou pra perto de mim, passando a mão na minha testa, olhando para mim como se eu estivesse morrendo.

— Você está suando frio! — disse ela. Depois ela abriu as cortinas o máximo que conseguiu. — Este quarto está abafado demais, meu filho!

Quando as cortinas se abriram e vi o Opala preto reluzente diante do meu portão, meu coração disparou ainda mais. Minha mãe olhou para o carro e deu um sorrisinho estranho com o canto dos lábios. Fiquei ainda mais confuso.

— Mãe — falei, olhando para o carro. — Faz tempo que aquele carro preto está parado ali?

Ela pousou o olhar sobre o Opala por alguns instantes, depois olhou para mim e disse:

— Não sei. Por quê?

É lógico que não vou contar a história do moleque assassinado para a minha mãe, né? Comeram cocô? A coitada teria um treco do coração e ...

Vi um vulto abrir o portão! Será o assassino? Gelei. Mas não era nenhum assassino psicopata, era apenas o meu pai. Quando me viu, abriu um largo e simpático sorriso.

— Eu não sabia que o pai estava em casa — falei baixinho.

— Ele chegou de madrugada — respondeu minha mãe, enquanto ajeitava o lençol da minha cama.

E meu pai veio até a janela, atravessando a varanda.

— Até que enfim está de pé, hein! — disse ele, super sorridente.

Caralho, fazia tempo que eu não via o meu pai. E ainda mais assim: bem humorado logo cedo. O velho deve ter tido uma boa noite de ... Putz!!! Deixa pra lá.

— Pois é — disse eu, tentando apagar a imagem dos meus pais fazendo ... Porra, apaga isso da sua mente, cérebro dos infernos!!! Apaga!!!

Meu pai olhou para o Opala, depois voltou os olhos para mim e disse:

— Uma beleza, não é?

Dei outra olhada para o carro. Só agora percebi suas rodas cromadas.

— Por acaso o senhor sabe de quem é? — perguntei.

Pela primeira vez na vida vi meu pai cair numa gargalhada como aquela. Ele parecia uma hiena fazendo ménage à trois com a Xuxa e a Mara Maravilha.

De repente minha mãe me abraçou por trás e deu um beijo molhado na minha bochecha. Fiquei espantado com tudo aquilo, é claro. Será que os meus pais enlouqueceram de vez? Será que ficaram sabendo que eu vou morrer e estão se despedindo? Que diabos está acontecendo aqui?

Até que finalmente descobri o que estava rolando ...

— Feliz aniversário!!! — disse minha mãe, apertando minha bochecha. — Não acredito que você esqueceu do seu próprio aniversário, Nando!!!

Hoje é dia 26 de fevereiro??? Puta merda ... é hoje mesmo: meu aniversário. Juro que eu nem me lembrava disso.

Meu pai puxou uma chave do bolso da calça e ficou balançando a dita cuja diante dos meus olhos. Ele não parava de sorrir para mim.

— Não acredito — falei baixinho, olhando para a chave e para o Opala; para a chave e para o Opala novamente. — Ele é meu?

O velho fez que sim, balançando a cabeça. Depois ele me entregou a chave do Opala, dizendo:

— Feliz aniversário, filhão.

Acordei apavorado, crente que ia ser assassinado por um psicopata com uma cicatriz na testa; mas acabei ganhando meu primeiro carro. 

Uhuuuuuu!!! Puta que pariu! Finalmente uma coisa boa, hein!

Agora eu posso ir pra onde quiser, sem precisar de carona do Pezão dos infernos. De agora em diante serei independente; vou e volto das baladas quando e com quem eu quiser. Porra, agora ninguém me segura!

E ai de vocês se zombarem do meu Opala preto. O bichão está em ótimo estado; ano 91; rodas cromadas; banco de couro e até aparelho de CD. Meu pai não quis me contar quanto pagou por ele; só disse que foi uma verdadeira pechincha. Comprou de uma viúva. A mulher resolveu vender o carro porque ele trazia muitas recordações do falecido marido. Parece que o cara sofreu um ataque cardíaco enquanto tirava um cochilo no banco traseiro. Veja que maneira mais bizarra de bater as botas. Eu, hein!

Querem saber? Foda-se! O importante é que agora o Opala já tem novo dono: EU!!!

A minha emoção ao ligar o motor pela primeira vez foi indescritível. Quase tive um orgasmo. Sério! Porra, esperei muito tempo para ter o meu carro. Agora quero aproveitar todos os benefícios possíveis. É claro que estou querendo dizer apenas uma coisa: MULHER!!!

— Vai devagar — disse minha mãe, abraçada ao meu pai.

Eles estavam me olhando da calçada. Minha mãe com cara de preocupada e meu pai sorrindo, todo orgulhoso. Não sei se era orgulho de mim ou por ter passado as pernas na viúva.

— Pode deixar — respondi, tão excitado que nem olhei para o lado.

Depois foi a vez do meu pai:

— Cuida bem do ...

Nem consegui esperar ele terminar. Saí fincando. Não queimei o asfalto como o Pezão, mas cheguei bem perto.

Coloquei meu ray-ban mais estiloso, abaixei o vidro e parti para o melhor passeio da minha vida. Enfiei um CD do Ramones e aumentei o volume até o máximo quando começou a tocar Surfin' Bird.

Meu, fala sério, se o mundo acabasse agora eu morreria feliz.

Será que estou sonhando???

Olha, se isso aqui for um sonho eu juro que me mato quando eu acordar.

Quando eu ia contornando mais uma esquina vi uma loira muito gostosa. Ela estava de costas; caminhava pela calçada como se aquilo fosse uma passarela do São Paulo Fashion Week. Seus cabelos longos brilhavam debaixo do sol forte. O vento batia no seu vestidinho azul-piscina, dando a impressão de que iria erguê-lo a qualquer momento. Tudo muito perfeito. Só falta a loira ser um tremendo acidente de trem.

Bom, só tem um jeito de descobrir, não é?

Diminuí a marcha e passei ao lado dela, quase na mesma velocidade em que ela caminhava. Eu estava louco para ver o seu rosto. Vira pra cá, meu bem!!!

De repente ela virou o rosto na direção do Opala e olhou direto para mim. Foi aí que me dei conta de que eu a conhecia. Uau!!!