As Aventuras de Nando & Pezão

“Jovem Cientista”

Último Capítulo – Dois Novos Discípulos

E lá fomos nós. Para não congelarmos voltamos a nos abraçar.

— Nando, seu sem-vergonha, dá um jeito nisso!

Nem preciso dizer o que foi, né? Putz grila, o que deu no Nando Júnior hoje? Será que tinha viagra naquela cerveja que tomei na churrascaria?

Quanto mais perto ficávamos do centro de convenções, mais iluminada ficava a rua, e é claro que mais envergonhados ficávamos.

— Pelo menos aqui não tem formigueiro — pensei em voz alta.

— Hã?

— Deixa pra lá, é uma lonnnnnnnga história.

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Não demorou muito para chamarmos a atenção do segurança que estava no portão do centro de convenções. Imaginem a cena ... Nari e eu completamente nus, abraçados, tremendo de frio, andando feito um casal de caranguejos bêbados.

O cara não parava de rir, falando alguma coisa no seu rádio. A esta altura deve estar contando pra todos os companheiros de serviço a respeito dos peladões na rua.

Apesar de envergonhados nós prosseguimos com o plano. Seríamos zoados, é claro, mas o centro de convenções era a nossa única esperança de ajuda. Ficar ali parado na rua escura e gelada seria o nosso fim.

— Fomos assaltados — gritou a Nari para o segurança. — Levaram tudo!

O segurança, um negro fortão, tinha quase 2 metros de altura por não sei quanto de largura. Parecia um armário vivo. Ele não sabia se olhava para a Nari ou usava o rádio.

— Precisamos de ajuda — disse eu. Mas ele nem me deu bola, continuou vidrado na Nari. 

Eu não vou culpá-lo, ela é mesmo muito gostosa. E não é todo dia que você vê uma loira peladona na rua, né?

De repente outro carro parou bem pertinho de nós e ...

— Pega o seu celular, Rafael! — gritou alguém de dentro do carro. — Bate uma foto dos tarados!!!

E antes que pudéssemos dizer alguma coisa ... Flash!!! Não acredito. Outra vez? O filho da puta bateu uma foto da minha bunda branca.

Nari ficou possessa. Mais do que eu. Imagine se a foto tivesse sido da bunda dela.

— NÃO SOMOS TARADOS!!!! — gritou ela, com toda a força que possuía em seus pulmões. 

E o carro saiu fincando.

— Tomara que tenha queimado a lente, seus filhos da puta!!! — gritei, fulo da vida.

Nem preciso dizer que a galera do carro saiu morrendo de rir, né? Parecia uma convenção de hienas enlouquecidas. Agora já são quatro fotos. Puta merda, quem será o babaca que teve a idéia de colocar câmera fotográfica em aparelho celular? Se eu pego este filho da puta ...

Quando olhei para o portão já tinha mais um segurança crescendo os olhos sobre a Nari. Trabalhar ninguém quer, né?

— O que vocês estão olhando? — disse a Nari, vermelha de raiva ... mas acho que de vergonha também. — Nunca viram?

Adoro quando ela fica nervosinha assim, ela fica ainda mais sexy. Os seguranças grandalhões ficaram sem graça.

— Vocês foram assaltados mesmo? — perguntou um deles.

— Não — respondi. — Adoramos passar frio e vergonha!!! Por que ninguém acredita na gente, porra?

— Não precisa bancar o engraçadinho, colega — disse o outro segurança.

— Peço desculpas por ele — disse a Nari. — Precisamos nos agasalhar, estamos quase congelando!!!

Ela nem precisou fazer beicinho nem nada, afinal de contas a mina está nua!!! Se uma loira gostosa aparecesse peladinha no seu portão e lhe pedisse alguma coisa você teria a coragem de dizer não??? Só se você fosse muito louco ou muito gay.

O segurança chamou alguém com o seu rádio e pediu permissão para que pudéssemos entrar. A permissão só nos foi concedida quando ele mencionou que um de nós era uma loira de parar o trânsito. Se a Nari se sentiu envaidecida eu não percebi, pois ela continuou com a mesma cara de bunda de sempre.

Um dos seguranças tirou seu paletó e o colocou sobre nós. Muito gentil de sua parte, mas não afastou totalmente o frio.

— Venham comigo — disse o segurança, passando pelo portão. — Meu patrão vai descolar umas roupas e um café bem quente para vocês dois.

Nari e eu finalmente sorrimos. Estávamos quase virando picolés humanos. Acho que mais alguns minutos e cairíamos duros na calçada.

Do portão até a porta que dá no auditório há um longo corredor, talvez trinta ou quarenta metros de comprimento. Quando estávamos no meio do caminho ...

O rádio do segurança chamou:

— Pedrão, precisamos de ajuda, urgente!!!

A voz no rádio soava bem nervosa e preocupada. O segurança tirou o rádio da cintura e respondeu, apreensivo:

— O que foi, Jorge?

— Não sei, cara! Aconteceu alguma coisa naquela primeira sala. Está um corre-corre do caralho!

O grandalhão prendeu o rádio na cintura outra vez e saiu em disparada pelo corredor. Esqueceu completamente de nós. O outro segurança permaneceu parado no portão, mas olhando preocupado para o companheiro. Ou estava olhando a bunda da Nari e não percebi.

— Nossa — disse a Nari, com um olhar assustado. — , o que será que houve?

E ouvimos gritos assustadores no auditório. Gritos de desespero e pavor.

Nari e eu ficamos parados no corredor. Não sabíamos o que fazer. Eu queria entrar para saber o que estava acontecendo, mas me dei conta de que estava pelado. Você perde sua liberdade de ir e vir quando está pelado em público. Só quem já passou por esta experiência sabe do que estou falando. É terrível.

Muita gente passa a vida toda e não se depara com uma situação como esta. Eu não completei nem 20 anos e já estou na minha quarta vez. Putz grila, eu devo ter comido muito cocô quando era criança.

Os gritos ficavam cada vez mais próximos.

— Vem gente aí — disse a Nari, olhando para a porta do auditório.

E estávamos corretos. A porta do auditório que dava para o corredor ficou pequena para tanta gente. Uma multidão de pessoas em pânico surgiu diante de nossos olhos. Alguma coisa muito ruim estava acontecendo lá dentro do centro de convenções. Ninguém sai correndo daquele jeito por causa de uma barata, né? O bagulho deve ser muito sério.

Tivemos de sair do caminho ou seríamos esmagados pela multidão. As pessoas passavam por nós e nem se davam conta da nossa presença. Tudo o que elas queriam era sair correndo dali. Homens, mulheres, crianças, todas enlouquecidas e aos berros. Vi muita gente ferida e outras sem arranhão algum.

— O que está havendo? — perguntei para uma senhora que passava chorando do meu lado. A mulher estava branca de pavor.

— Horrível, horrível!!! — repetia ela. — Um garotinho caiu morto bem na minha frente!!! Eu quase pisei nele, quase ...

E a mulher desmaiou bem na nossa frente.

— Mas que porra está acontecendo lá dentro??? — disse eu, bem assustado, devo confessar. Nunca vi uma cena como esta na minha vida. E olha que já vi muita coisa estranha nestes últimos anos.

Nari olhou espantada para mim.

— É o fim do mundo, Nando. Aposto que a garotinha do sapo tem culpa no cartório.

Será? Não, não pode ser. O que uma garotinha inocente poderia fazer para provocar um tumulto desse tamanho? A Nari está exagerando.

Um barulho de sirene crescia do lado de fora do centro de convenções. Havia várias ambulâncias estacionadas na rua. É, o bagulho é sério mesmo. Que diabos está acontecendo lá dentro? Eu quero saber!

Em questão de segundos surgiu um batalhão de homens e mulheres vestindo macacões brancos e máscaras de oxigênio. Caraaaalho!!! Será mesmo o fim do mundo? Não, não pode ser. Ainda tenho tanta coisa pra fazer, porra! Ménage à trois!!!

— Evacuem a área! — gritou um deles, vestindo um macacão vermelho.

Um de macacão branco chegou até nós dois, dizendo em voz alta e imperativa:

— Vocês precisam sair daqui agora mesmo! — por causa da máscara sua voz saiu bem estranha, tipo Darth Vader. Ele apontou para o portão que dá para a rua. — Ali fora tem uma ambulância esperando por vocês! Agora vão, rápido!

Antes eu perguntei:

— Será que você pode me dizer o que está acontecendo?

— Não há tempo para explicações agora. Vá para a ambulância, nossos médicos irão examiná-los.

Lembrei daquele filme "Epidemia", com o ator Dustin Hoffman. Já assistiram? Caralho, mas isso aqui não é filme! Será que aconteceu alguma coisa com a gente? Hoje realmente não é o meu dia. Eu devia ter ficado na cama.

— Vamos! — disse a Nari, puxando-me pelo braço. — Vamos sair daqui!

E lá fomos nós. Estávamos bem assustados. Agora nossos corpos tremiam de frio e de medo também.

— Nem assim você se acalma, Nando???

Bom, nem vou dizer nada, vocês já sabem do que se trata. O que será que deu no Nando Júnior hoje? Será que congelou na posição de sentido?

Assim que passamos pelo portão fomos separados. Cada um foi levado para uma ambulância diferente. Deixei Nari ficar com o paletó. Fiquei peladão ... outra vez.

Sentaram-me numa cama e começaram a examinar as minhas pupilas. Fizeram vários testes para ver se eu estava enxergando normalmente. E eu estava. Em seguida mediram a minha pressão, e por último me deram uma injeção no braço. A minha sorte é que eu nem tive tempo de ver o tamanho da agulha. O bagulho era enorme. Odeio agulhas.

— Vou morrer? — perguntei para o cara de macacão.

Vocês acham graça, né? Filhos da puta. No meu lugar vocês teriam feito a mesma pergunta.

— Acalme-se — disse o cara. Novamente tive a impressão de estar ouvindo Darth Vader. Só espero que seja médico esta porra. — , está tudo bem com você.

Sei lá, não senti muita segurança.

— Se está tudo bem comigo, por que você me deu uma injeção daquele tamanho?

— Pra você ... — e o cara olhou para o Nando Júnior. — ... relaxar.

E Nando Júnior realmente ficou ... relaxado. Se é que vocês me entendem.

Alguém gritou por socorro do lado de fora da ambulância. O cara de macacão branco saiu em disparada.

Fiquei ali sentado, nu, tremendo de frio e com o bilau mole.

De repente ouvi uma voz familiar se aproximando. Era ele, o pirralho. O guri estava super nervoso e agitado, estava falando mais rápido do que narrador esportivo.

— Eu avisei a mulher que eu não tinha balinha pra todo mundo naquela sala — disse ele. — , mas ela não me ... — e ele finalmente me viu. — Nando, é você?

— Não, seu porra, sou o Ronaldinho Gaúcho, não está vendo?

E ele abriu um largo sorriso.

— Você está vivo!!! Cara, pensei que você tinha morrido!!!

— Ainda não foi desta vez — e sorri.

— E a Montanha?

— Está viva também — disse eu. — , não se preocupe. Mas que diabos aconteceu lá dentro do bagulho? — e apontei para o centro de convenções.

— Aquela doida que me arrastou para a premiação, lembra?

— Lembro.

— Então, ela pediu pra eu fazer uma demonstração da minha invenção.

— Putz!!! 

— Agora olha a merda que deu. Eu falei pra ela que era perigoso, mas a maluca não me deu atenção e ...

— A imbecil abriu a garrafa.

O moleque balançou a cabeça.

— O problema é que eu não trouxe bala pra todo mundo, né? Tinha mais de 400 pessoas naquela sala.

— E quantas balas você trouxe?

— Acho que não tinha nem 50 no pacote.

— Santa Pixirica!!!

— Pois é. A coisa ficou feia lá dentro, Nando. Muita gente passou mal. E quem não passou mal entrou em pânico e saiu correndo, pisando por cima de tudo e de todos.

— Eu vi, guri.

Ele começou a me encarar de cima a baixo.

— Mas por que você está pelado?

— É uma lonnnnnnga história. E o Pezão, morreu?

— Não, guardei uma bala pra ele.

— E onde ele está?

— Saiu para procurar você e a ...

— Montanha — disse Pezão, entrando na ambulância com a Nari ao seu lado.

— Pensei que tinha morrido, seu porra — falei.

— Isso é jeito de se tratar os amigos?

Nari estava vestida. De certa forma fiquei decepcionado. Eu gostava mais dela peladinha. Vocês também, eu aposto. Agora ela estava usando uma calça jeans preta e uma jaqueta do Chicago Bulls. De onde surgiu isso não faço a menor idéia. 

Ela tinha um saco plástico nas mãos.

— Presentinho — disse ela, oferecendo-me o saco plástico. — Espero que goste.

Olhei dentro do saco e abri um puta sorriso ao ver uma calça moletom e uma blusa de lã. As cores não combinavam nem um pouco, mas foda-se!!! Nem perdi tempo, vesti imediatamente. Eu não agüentava mais aquele maldito vento frio congelando o meu saco.

E o cara de macacão entrou na ambulância com outros dois pacientes. Os caras não estavam nada bem, ambos reclamavam de dores no corpo e tontura. 

Saímos de fininho, enquanto os dois moribundos recebiam tratamento.

— Onde você conseguiu estas roupas? — perguntei para a Nari.

Ela hesitou um pouco, depois sussurrou no meu ouvido:

— Tiramos de um cara morto ali atrás.

Putz!!! Era só o que me faltava. 

Bom, mas gente morta não precisa de roupa, precisa? Claro que não. Então foda-se. Morreu, morreu, vai primeiro, sobra eu.

E ficamos os quatro parados no meio da rua, olhando o pisca-pisca das ambulâncias. Havia um monte. Era uma imagem surreal. Parecia final de filme americano. Sinistro.

— Não vejo a hora de voltarmos pra casa — disse o guri, de repente.

— Ainda não sei como faremos isso — disse o Pezão, hipnotizado pelas sirenes.

Será que o Pezão já sabe do roubo do carro? Bom, pra ele ter dito isso a Nari já deve ter lhe contado, né?

— Como assim? — disse o pirralho, confuso — É só a gente entrar no carro e ...

— Roubaram o carro, guri — falei. Foda-se, se não sabia ... ficou sabendo agora.

— O quê? — o moleque quase surtou. — Roubaram? Quando foi isso? E agora? O que faremos?

— Fique calmo — disse a Nari, com uma tranqüilidade incrível. — , o Babalu do Cumbuca é iluminado.

Até o Pezão foi pego de surpresa. Ele olhou espantado para a Nari.

— Como assim, Montanha? — disse ele, intrigado.

— Espera — disse ela, sorrindo. — , você vai entender.

Babalu iluminado? Meu, a Nari viaja. Aproveitei para chutar o balde.

— Você comeu cocô, Nari — disse eu, de frente para ela — Acusou a pobre garotinha do sapo, sendo que o negócio não teve nada a ver com ela.

E Nari começou a rir. Ela ria feito uma hiena grávida da primeira hienazinha. Meu, ela ficou dez vezes mais linda. Eu não fazia a menor idéia do motivo de tanta risada, até que ...

— Que bom que encontramos vocês!!! — gritou alguém atrás de mim, e era uma voz familiar ... eu só não consegui me lembrar de quem era ...

Quando eu me virei não pude acreditar no que estava diante dos meus olhos. Eram os dois bandidos filhos da puta, com o carro do Pezão.

— É o meu carro! — disse o Pezão, arregalando os olhos.

— Pega ladrão!!! — gritou o pirralho.

A confusão em frente ao centro de convenções era tão grande que ninguém ouviu.

— Calma, garoto! — disse um dos bandidos. Detalhe: os dois filhos da puta não estavam mais encapuzados. Mas eram eles. Reconheci pelas vozes.

— O que vocês querem agora? — falei, puto da vida. — A única coisa que sobrou para dar pra vocês é o meu cu, seus filhos da ...

Um dos bandidos saiu do carro. Cheguei a pensar que iria morrer. Mas não foi para me matar que ele saiu. Ele saiu para me entregar as chaves do Corsa.

— Viemos lhe devolver o carro.

Eu não estava acreditando naquilo. Isso não é possível, é? Bandidos não roubam carros e depois os devolvem na mesma noite. Pelo menos eu nunca ouvi uma história assim antes.

— Isso é alguma pegadinha? — falei, segurando as chaves. — Um de vocês é o Sérgio Mallandro disfarçado?

— Não, cara, não é pegadinha — respondeu o outro bandido, descendo do carro.

— Eu não estou entendendo nada — disse o Pezão. — Foram vocês que roubaram o meu carro?

— Sim, fomos nós — disse um dos bandidos, claramente envergonhado.

Incrível. Parecem duas pessoas diferentes. Não lembram nem um pouco aqueles dois filhos da puta que levaram o carro e as nossas roupas.

— Mas aconteceu uma coisa maravilhosa enquanto fugíamos com ele — completou o outro bandido.

— Remorso? — disse o guri.

E os bandidos olharam para o guri. Um deles até colocou a mão carinhosamente sobre o ombro do pirralho, e disse:

— Nós começamos a ouvir um CD que estava no carro.

— CD, que CD?

— O CD do mestre — disse a Nari, abrindo um largo sorriso.

Putz!!! Não acredito nisso. Aquele CD chato pra caralho??? Aquele CD com gravações ridículas do Mestre dos Magos? Não, não pode ser verdade.

Os bandidos olharam com os olhos arregalados para a Nari.

— Você conhece o cara que gravou este CD?

— Claro, ele é o nosso mestre — e Nari olhou para o Pezão.

— Ele é sensacional — disse Pezão. — O mestre mudou o rumo da minha vida.

— Pode crer — disse um dos bandidos. — Ele mudou o rumo das nossas vidas também, podem acreditar.

— Deixa eu ver se entendi direito — falei, segurando-me pra não rir. — , vocês ouviram aquele CD ridículo e resolveram devolver o carro?

— Não achamos nem um pouco ridículo — disse um dos bandidos.

— Aquele CD salvou as nossas vidas — completou o outro.

Meu, fala sério. Posso ter comido muito cocô quando era criança, mas estes dois comeram o dobro. Bom, pelo menos recuperamos o carro!

— Estou muito feliz por vocês — disse a Nari, sorrindo para os malucos. — Aposto que o mestre ficará muito feliz também.

— Então vocês conhecem o mestre pessoalmente?

O olho do bandido até brilhou quando ele fez esta pergunta.

— Sim — disse o Pezão. — , gostariam de conhecê-lo?

— LÓGICO!!! — responderam os malucos, juntinhos.

Vocês não vão acreditar no que aconteceu ... Pezão ofereceu carona para os dois "ex-bandidos". É mole ou querem mais? Era só o que nos faltava.

Pezão ao volante, Nari ao seu lado; eu fui atrás, espremido feito uma salsicha, ao lado do guri e dos dois recém-convertidos.

Puta que pariu. A viagem de volta promete.

— Estou ansiosa para saber os nomes de vocês — disse a Nari.

— Jairo — disse um deles.

— Gérson — disse o outro.

Nari e Pezão começaram a rir. Coisa que na viagem de ida não aconteceu nem uma única vez. Não que eu me recorde.

— Esqueçam estes nomes — disse o Pezão. — , o mestre irá revelar o verdadeiro nome de vocês.

— Receberemos novos nomes?

— Sim — respondeu a Nari. — Por exemplo, o meu é Motanha-Russa.

— Que lindo. Combina mesmo com você, sabia?

Putz! Ninguém merece. 

— E o meu é Cumbuca Rasa.

— Que massa!

Puta merda, eu não acredito no que está acontecendo. Será que um dos bandidos ainda tem aquele revólver? Eu juro que vou me matar se eles continuarem com esta viadagem dos infernos. Eu quero sair daqui!!!

— Nós costumávamos trocar de nomes — disse um dos bandidos, sério. — , mas só quando a gente assaltava bancos.

— Eu chamava o Gérson de Tango.

— E eu chamava o Jairo de Cash.

— Muito original — falei, em tom de ironia. — Por causa do filme, né?

— Como você sabe?

— Todo mundo já assistiu este filme, caralho.

— Puta merda!!! Sério? Eu pensei que ...

— Credo, Jairo! — disse a Nari. — O seu Babalu enfraquece quando você diz palavrão, sabia?

— Sério?

Não agüento mais!!!!!!!!! Alguém, por favor, me tira daqui!!!!!!!!!!

— Vocês ainda estão armados? — perguntei.

— Não — respondeu um deles. — , joguei num bueiro. Nunca mais quero tocar uma arma na minha vida.

Merda.

— Por que, Nando? — perguntou o Pezão.

— Deixa pra lá.

Tudo o que eu posso dizer é que a porra da viagem de volta pareceu ser cinco vezes mais longa do que a de ida. O único que se deu bem na viagem foi o guri. O filho da puta dormiu a viagem inteirinha. Maldito pirralho sortudo dos infernos.

Quando Pezão parou o carro em frente a sua casa o relógio marcava 4h35 da manhã. O céu ainda estava escuro e a rua deserta. A temperatura estava bem mais quente; comecei a sentir calor com aquela blusa de lã e a calça moletom.

— Nem acredito que chegamos — disse eu, com o corpo todo dolorido.

Pezão colocou a cara entre os bancos da frente e disse para os dois malucos sentados ao meu lado:

— Minha casa é a casa de vocês. Serão bem-vindos.

— Babalu Babaloá — disseram eles, juntos.

— Estou muito orgulhosa de você, Cumbuca — disse Nari, e depois deu um beijo no rosto do Pezão.

Porra, não é justo! Eu estava tão próximo de comê-la ... e por causa destes dois panacas eu perdi a minha chance.

Preciso descontar minha raiva em alguém. Já sei ... Juntei todas as forças que ainda me restavam e ...

— ACORDA, FILHO DA PUTA!!!!!!!!!!!!!!! — gritei no ouvido do guri.

O coitado tomou um susto tão grande que pulou meio metro de altura e caiu no colo de um dos malucos.

— O que aconteceu? — gritou ele, apavorado e tremendo.

— Chegamos — disse eu. — Estamos em casa.

Descemos do carro todos tortos. Estávamos exaustos. Pelo menos eu estava podre, não preguei os olhos um segundo sequer. E pra ajudar ainda fiquei no maior aperto, né? Todo mundo sabe que o Corsa não é um carro tão espaçoso assim, imaginem três marmanjos e um moleque sentados no banco de trás ... não é nada confortável. Nadica de nada.

Olhei para a garagem e vi o carro da mãe do Pezão, um Honda Civic preto. Quem pode, pode.

— Sua mãe já voltou de viagem — disse eu, enquanto abria o portão.

Pezão passou lentamente com o carro e me respondeu:

— Pensei que ela só voltaria na semana que vem.

— É, foi o que o guri havia me dito.

Pezão entrou com o Corsa e o estacionou bem atrás do carro da mãe dele.

Fechei o portão. Agora estávamos todos no jardim. Estava bem escuro ainda, até que Pezão acendeu a luz da garagem e iluminou o caminho.

— Venham — disse ele, fazendo gestos com as mãos — , vamos tomar um café bem reforçado.

Putz! Ótima idéia, Pezão! Estou faminto. Acho que eu comeria um boi.

Enquanto aguardávamos Pezão abrir a porta da cozinha reparei que Nari estava meio ansiosa.

— Você está bem? — perguntei, colocando minha mão sobre o seu ombro.

— Estou me sentindo estranha — disse ela, claramente incomodada com alguma coisa. — Estou com um pressentimento muito ruim.

Pezão finalmente abriu a porta da cozinha. Tateou a mão na parede e acendeu o interruptor.

— Entrem e fiquem à vontade — disse Pezão.

Todos entraram, exceto Nari e eu.

— Conte-me o que você tem — disse eu.

— Não sei explicar — disse ela, fazendo cara de quem está com dor de barriga. — Meu Babalu está querendo me dizer alguma coi ...

Um grito partiu de dentro da casa ... Era a voz do Pezão.

Minha curiosidade foi muito grande, larguei a Nari falando sozinha e corri para dentro da casa. Não havia mais ninguém na cozinha, estavam todos na sala.

PUUUUUUUUUUUTA QUE PARIU!!!!!!!!

Vocês não vão acreditar no que estava acontecendo na sala.

CARAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAALHO!!!!!!!!!

Querem mesmo saber?

E agora, conto ou não conto?

Tudo bem, eu conto. Acho que vocês não sobreviveriam a mais um mistério, né? Pobrezinhos ...

Quando cheguei na sala vi o Mestre dos Magos e a mãe do Pezão nus sobre o sofá. Estavam suados e com os cabelos desarrumados. Meu, será que eles estavam ... ??? Porra, Nando, é claro que estavam!!! Dããããããã!!!!

Putz! Se fosse a minha mãe eu matava o anão a pauladas.

— Você chegou cedo, Cumbuca — disse o Mestre dos Magos, calmamente.

A mãe do Pezão catou suas roupas do chão e começou a vesti-las rapidamente, nitidamente muito envergonhada. Caralho, a coroa até que está bem gostosa. Fiquei impressionado. Só os peitos é que me decepcionaram um pouco. Naquelas fotos dela com o Nelson Ned eles pareciam mais firmes.

— Isso são horas de chegar? — disse ela, com a voz trêmula. Nunca vi a mãe do Pezão assim. Ela é sempre fria e cheia de si.

Pezão nem lhe deu atenção. Ele não tirava os olhos do anãozinho nu. Pezão estava de costas para mim, portanto não sei se a expressão no seu rosto era de surpresa, raiva ou ... alegria. Sei lá, né? Vai que ele gostou de saber que o Yoda comeu a mãe. O cara anda meio perturbado ultimamente e ...

— Você tem 30 segundos para desaparecer da minha frente, seu Hobbit do caralho!!!

Hobbit do caralho??? Porra, Pezão ... esta foi muito boa!!! Hahaha ... Gostei. Eu nem sabia que o Pezão curtia O Senhor dos Anéis! Hahaha ...

— Calma, Cumbuca — disse o Mestre dos Magos. — O seu Babalu está um pouco perturbado no momento e ...

— BABALU O CARALHO!!! — gritou o Pezão. Aeeeeee!!! O filho da puta está voltando ao normal!!! — Agora você tem só 20 segundos. Some da minha frente ou lhe arrebento a cara, anão filho da puta dos infernos!!!

A mãe do Pezão ficou apavorada.

— Pára com isso, Maurício! 

— Não se mete, mãe! — respondeu o Pezão, ainda com o olhar fixo no Mestre dos Magos.

Fiquei com pena do guri, o coitado assistia a tudo sentado no sofá, perplexo. Acho que ele estava em estado de choque. O moleque nem pisca. Será que morreu?

— Pronto — disse o Pezão. — Seus 30 segundos já se passaram.

Quando Pezão deu o primeiro passo a frente o guri saltou do sofá e pulou no pescoço do Mestre dos Magos.

— Murilo, não!!! — gritou a mãe do Pezão, desesperada.

O guri e o anão caíram do sofá e começaram a rolar no chão. Eu nunca tinha visto o moleque tão furioso na minha vida. Acho que ele vai matar o anãozinho.

Um dos ex-bandidos me cutucou, dizendo baixinho:

— Eu conheço a voz daquele anão. Por acaso não é o ... ???

— Ele mesmo — respondi. — É o tal do mestre.

Putz!!! Maldita hora em que eu fui abrir a boca. Os malucos resolveram defender o Mestre dos Magos.

— Saia de cima do mestre! — disse um deles, saltando sobre o guri.

— O que pensa que está fazendo? — disse Pezão, furioso.

— Devemos nossas vidas ao mestre — disse o outro maluco. — Iremos defendê-lo com todas as nossas forças.

— Defende isso aqui, ó! — e Pezão desferiu-lhe um golpe certeiro na testa do maluco.

O outro ficou furioso. Quando este partiu pra cima do Pezão eu entrei na briga. Pulei no corpo do maluco e caímos sobre o sofá. Sobraram socos e murros por todos os lados. Confesso que aproveitei para me vingar de tudo o que aqueles babacas haviam aprontado pra cima de pra mim nas últimas horas.

O filho da puta acertou um soco no meu saco que quase me desacordou. Quando ele se levantou do sofá eu chutei-lhe a boca do estômago com toda a força. O golpe foi certeiro, o desgraçado caiu no chão feito um saco de farinha.

Enquanto isso o pau comia nos outros cantos da sala. Pezão com o outro maluco e o guri com o Hobbit do caralho. O anão estava bastante machucado.

— Parem agora mesmo!!! — gritou a mãe do Pezão. — Vocês enlouqueceram? Isso aqui é uma casa, não um ringue de luta-livre!!!

E tudo parou. Cada um de nós tombou para um lado, ofegante e com o corpo dolorido. Coloquei a mão no meu nariz e vi sangue nos meus dedos.

Quando tudo parecia ter acalmado ...

— Eu quero vocês quatro sentados no sofá e quietinhos!!! — gritou um dos malucos, apontando uma arma para nós. Uma arma? Mas ele não tinha ...

Puta merda. Era só o que faltava, viu?

— Calma, calma — disse a mãe do Pezão, com as mãos para o alto.

— Senta no sofá e tudo ficará bem, dona! — e o filho da puta olhou para mim. — Você também, vá para o sofá!

Depois ele apontou a arma para o Pezão e para o guri, obrigando-os a se juntarem a nós no sofá.

— Você não tinha jogado a arma num bueiro? — disse eu, encarando o filho da puta.

Depois me arrependi. Isso poderia ter nos causado mais problemas.

— Eu menti — e ele olhou para o anão, que gemia de dor. — Você está bem, mestre?

O Mestre dos Magos olhou com curiosidade para o maluco, como se tivesse forçando pela memória.

— Eu conheço vocês dois?

— Não, mestre, mas nós o conhecemos — disse o outro maluco, erguendo-se do chão. — Você deu um rumo a nossas vidas.

— Que belo rumo, hein! — disse a mãe do Pezão.

— Fique quieta, dona — e o maluco olhou para o anão. — Seremos seus discípulos de hoje em diante.

Os malucos ajudaram o Mestre dos Magos a se levantar e depois lhe entregaram sua túnica.

— Estou decepcionado com você, Cumbuca — disse o Mestre dos Magos, enquanto vestia sua túnica amarela.

Pezão ficou azul de raiva. Suas veias da testa saltaram todas.

— Se você me chamar de Cumbuca mais uma vez eu juro que enfio um chute no teu cu, anão do caralho!

O Mestre dos Magos balançou a cabeça negativamente.

— Muita raiva você tem.

— Você ainda não viu nada.

Um dos malucos estava apontando a arma para nós. Pezão não poderia fazer absolutamente nada, a não ser ameaçar.

Quando o anão terminou de se vestir ele olhou para a mãe do Pezão.

— Sinto muito que tenha terminado assim.

— Eu também, Joaquim.

Joaquim?????????? O nome do Mestre dos Magos é Joaquim?????????

Fala sério! Não consegui me segurar. Caí na gargalhada, tipo uma hiena com prisão de ventre. Eu ria tanto que pensei que ia mijar na calça moletom.

— Se você encostar um dedo na minha mãe outra vez eu te mato — disse o guri, após um longo inverno.

O Mestre dos Magos sorriu e encarou o pirralho.

— Muito corajoso você é, menino. Isso é uma coisa muito boa. Venha participar das nossas reuniões.

— Nem morto!

Antes de finalizar ... 7 considerações finais:

1) O Mestre dos Magos saiu escoltado pelos seus dois novos discípulos. Pezão queria chamar a polícia a qualquer custo, mas sua mãe não deixou. E pensando bem ... o que a polícia poderia fazer? Qual seria a acusação? A mãe do Pezão deu pro anãozinho por livre e espontânea vontade ... e Tango e Cash não levaram sequer uma maçã da casa.

Dizem que os seguidores do Mestre dos Magos aumentam a cada dia, e que em breve irão erguer uma igreja no centro da cidade. Igreja Humanitária do Reino do Babalu Cósmico seria o nome do bagulho. Babalu Babaloá!

2) Até onde eu sei a mãe do Pezão não se encontrou mais com o Mestre dos Magos, mas para ser sincero eu não coloco a minha mão no fogo.

3) Pezão voltou a ser o velho Pezão filho da puta de sempre. Ontem mesmo nós saímos para a balada e o cara teve a moral de passar pela mesa de uma ex-namorada dele e soltar um peido bem na cara da mina. Deu até dó da coitada. Cheguei até a pensar que precisaria daquela balinha especial do guri.

Ah, e tem mais ... Pezão pegou trauma do nome "Cumbuca". Se você disser este nome na frente dele o cara vira o bicho. Ele prefere ver o satanás a ouvir este nome. Pegou ódio mortal.

4) A Maura ainda não voltou pra casa, mas temos notícias de que ela viajou pra Belo Horizonte com suas novas "amigas" e está se divertindo à beça. Ah, e tem mais ... o traveco é filho de uma atriz super famosa da Rede Globo, porém a cabaçona da Maura não quis nos contar quem ela é. Mas a gente sabe como é mulher ... ela não vai guardar segredo por muito tempo, né? Elas não conseguem. Por exemplo, se meu nome fosse Fernanda vocês já saberiam tudo o que aconteceu em Ubatuba.

5) Meus irmãos continuam acreditando na "lei do silêncio" ... Lembram?

6) Agora a parte triste — pelo menos para mim — , a Nari simplesmente desapareceu do mapa. Vocês acreditam? Evaporou que nem pum no escuro. E o pior de tudo é que eu não tinha o seu endereço nem seu celular. Bom, acho que celular ela nem tinha mesmo. Poxa, eu estou sentindo uma puta falta dela. 

Mas algo está me dizendo que irei vê-la em breve ... Sei lá, intuição.

7) Este último item eu nem ia mencionar, mas ... devo admitir que é algo um tanto quanto intrigante. Vocês devem se lembrar que a Nari nos contou a respeito de um sonho terrível que ela teve quando criança, onde uma voz lhe dizia que o fim dos tempos viria com a chegada do Kaká. Lembram? Então, o primeiro Ka foi o furacão Katrina. Bom, vocês devem estar se perguntando ... E daí, porra???

E daí que eu acho que descobri qual seria o segundo Ka, responsável pelo fim dos tempos.

Querem mesmo saber? Muito juízo com esta informação, hein!

Lembram da garotinha do sapo? Ela foi uma das sobreviventes lá do incidente com o gás tóxico. A mãe dela faleceu, mas a guria não sofreu nem um arranhão sequer. Sinistro, né? Sabem qual é o nome da menina?

Katiúcia.

( FIM )